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Uma Índia da maioria: Modi e o BJP conquistam uma vitória avassaladora


Capanha Bjp - Índia

Após seis semanas, a maior democracia do mundo decidiu qual será o governo que conduzirá o país pelos próximos 5 anos. O resultado foi uma vitória maiúscula para o atual primeiro ministro Narendra Modi, que conseguiu 303 das 542 cadeiras da casa baixa, o Lok Sabha, garantindo maioria só com o seu partido, o Barataya Janata Party (BJP). Além disso, a coligação de Modi terá algo em torno de 350 cadeiras na casa, podendo governar, praticamente, sem oposição alguma.


Modi e o BJP tinham como maiores adversários Rahul Gandhi e o Congresso Nacional Indiano (CNI), partido que governou a Índia por décadas após a independência. Apesar de vir de uma família histórica de lideranças indianas e do partido que mais venceu eleições, Rahul não foi capaz de evitar uma nova derrota para Modi. O CNI aumentou o número de cadeiras na casa em relação a 2014, passando de 44 cadeiras no ano de sua pior atuação eleitoral na história para 52 em 2019. Contudo, o resultado ainda ficou muito longe de representar qualquer ameaça à posição do BJP.


Eleito em 2014, Narendra Modi colocou à prova, nestas eleições, sua popularidade e a possibilidade de um segundo mandato. Apesar da expectativa de vitória para o BJP, o expressivo resultado, além de garantir a maioria no Lok Sabha – a câmara baixa do parlamento indiano –, solidifica a posição de Modi e sua agenda nacional-conservadora. Assim, os impactos da vitória para o país são maiores do que a simples fragilidade na qual o partido do Congresso se encontra, mas, também, significam a acentuação de um discurso nacionalista e sectarista internamente, e uma postura de maior confrontação com os vizinhos externamente.


Partido criado para representar e dar voz ao nacionalismo Hindu, o BJP passou a figurar na política indiana na década de 1990, sendo o partido no poder durante os testes nucleares de Pokhran II, que colocaram a Índia entre os países detentores de armas nucleares. Além disso, a natureza nacionalista do partido torna a sua atuação internacional mais conflituosa com seus principais rivais: o Paquistão e a China. Ao mesmo tempo, as ligações político-ideológicas de Modi o aproximam de chefes de Estado com características similares, especialmente o estadunidense Donald Trump, o qual ressaltou a importância da vitória de Modi para as relações Indo-americanas em uma mensagem de felicitações ao indiano.

O histórico de conflitos entre Nova Délhi e Islamabad, reflexo das disputas religiosas anteriores à criação dos dois partidos, possibilitaram a chegada do BJP ao poder, o qual soube canalizar os temores e os ressentimentos para com o vizinho, e para com a comunidade islâmica como um todo, a fim de atrair o voto da maioria Hindu do país. Portanto, o crescimento das tensões religiosas, dos atentados perpetrados por grupos islâmicos – correntemente associados ao Paquistão – inflamaram os discursos dos conservadores hindus, levando a sucessivas vitórias do BJP nesses últimos 25 anos. Tal postura tende a continuar e aumentar, especialmente na forma de ações violentas por grupos hindus contra minorias – principalmente islâmicas – as quais já resultaram no assassinato de 44 pessoas, 36 delas muçulmanas, entre 2015 e 2018 por esses grupos.


Chamada de “Revolução de Açafrão”, devido a cor dos tecidos usados pelos grupos, essa onda de ódio vem crescendo em um país que nasceu secular e pretendia ser um espaço de todos. A constante defesa de uma valorização do hinduísmo como política de Estado vem ameaçando as conquistas materializadas na constituição. A Hindutva, como é chamado o hinduísmo político, procura defender e assegurar o modo de vida hindu, mesmo que isso signifique restringir as demais religiões em sua liberdade.


Apesar desses elementos aparecerem e serem destacadas na agenda do BJP, é preciso entender como o partido utiliza desses discursos para capitalizar votos, especialmente frente aos péssimos resultados do primeiro governo de Modi na economia — tendo o país atingido a maior taxa de desemprego dos últimos 45 anos — e diante dos escândalos de corrupção envolvendo o governo na compra dos caças Rafale da França.


Buscando contornar essa situação, durante a campanha Modi se comprometeu a ajudar financeiramente os fazendeiros no país, os quais passam por momento complicado, além de prometer cerca de $ 1.5 trilhão de dólares em infraestrutura, buscando incentivar a produção no país e as exportações. A dificuldade de Modi na economia é um dos poucos fatores que pode vir a prejudicar sua imagem atual como a principal liderança política na Índia.


Contudo, Modi é acusado por opositores de fazer uma política segregacionista até na economia, uma vez que sua política de desmonetização em 2016 teria impactado principalmente a população islâmica, que, em sua maioria, está na informalidade do mercado de trabalho. Apesar disso, grande parte dessas críticas não encontra ressonância na sociedade, por ser feita, muitas vezes, pelas elites intelectuais do país, nas Universidades, que não conseguem se comunicar e influenciar a população na hora do voto. Essa desconexão das Universidades e elites do país levou a uma campanha polarizada, pois a narrativa construída pelo BJP era de que votar contra Modi era votar contra a Índia, discurso muito próximo do que se percebeu em diversas eleições recentemente.


Assim, apesar de muitas vezes não ser citado junto aos demais governos nacional-conservadores, Modi pode muito bem ter sido um dos precursores desse fenômeno no país, além de demonstrar ser um dos mais fortes. Fora uma relação conflituosa com a imprensa, a administração Modi vem contribuindo para aumentar as violências contra as minorias no país, especialmente os islâmicos (que representam 14% da população indiana – algo em torno de 150 milhões de habitantes), a partir de um discurso muito similar a tantos outros atualmente: de que o Estado deve responder aos interesses da maioria.


Com modificação inclusive da burocracia estatal, Modi vem criando uma “hindunização” do Estado indiano, marginalizando e excluindo religiões minoritárias das estruturas de governo. Essa postura interna é centrada, também, na questão da Caxemira, região de maioria islâmica, e disputada por Índia e Paquistão. Os apoiadores de Modi esperam que ele seja capaz de acabar com a resistência de grupos da região ao domínio indiano. Além disso, pedem que ele retire o status autônomo que o estado de Jammu e Caxemira, único de maioria islâmica na Índia, tem resguardado pelo artigo 370 da constituição indiana.


Essa situação tem grande repercussão no Paquistão, o qual detém parte do território caxemir e não reconhece o controle indiano na região. Para Islamabad, o fato de o país ser de maioria islâmica faria deste o real detentor da Caxemira, devido à natureza religiosa da população. Contudo, tal proposta, além de ser rechaçada pela Índia, também o é por parte da própria população caxemir, desejosa da independência da região, como o era até 1947.


As tensões na região continuam a aumentar, e a linha de controle entre os dois países foi palco de um episódio às vésperas da eleição que continua obscuro. Após o Paquistão conduzir ataques aéreos no lado indiano da linha de controle que separa o domínio que ambos têm na Caxemira, o governo indiano respondeu com dois jatos, os quais, supostamente, foram abatidos por caças paquistaneses. Islamabad capturou um dos pilotos, ao que Nova Délhi exigiu a rápida devolução de seu soldado. O piloto indiano retornou ao país pouco após ser capturado, atenuando a escalada nas tensões na região.


Apesar da disputa pela Caxemira se centrar no conflito Indo-paquistanês, outro país tem envolvimento direto nas disputas pelo território caxemir e para a estabilidade no subcontinente: a China. Ocupando parte do território da Caxemira desde 1962, na guerra sino-indiana, Pequim tem procurado construir relações mais próximas com Nova Délhi, algo que resultou em uma aproximação entre os dois Estados mais populosos do mundo, mas que ainda é marcada por desconfiança e resistência.


O aumento da parceria e dos diálogos entre Índia e China, culminando na atuação de ambos em fóruns multilaterais, particularmente no BRICS, foi muito importante para o vislumbrar de um novo período de parcerias entre as duas nações. Contudo, problemas fronteiriços, disputas econômicas e de influência geopolíticas continuam a ditar as relações entre ambos, destacadas pela oposição da Índia ao projeto da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative). Parte da Organização para Cooperação de Xangai, a Índia foi o único Estado que se opôs ao projeto e que não pretende voltar atrás, mesmo após conversações bilaterais entre o premiê chinês Xi Jinping e Modi.


A expectativa é que Modi continue a fazer frente aos projetos chineses, por entender que as iniciativas de Xangai levariam a maiores disputas entre os dois países no Sul da Ásia e no Oceano Índico, duas regiões chaves para a política externa indiana. Além disso, o corredor econômico programado para atravessar a Caxemira ocupada pelo Paquistão, é visto como um desrespeito à soberania indiana, levando Nova Délhi a não referendar a iniciativa de Pequim.


Por outro lado, Modi vem construindo uma boa relação com outros países asiáticos. Desde Israel no Oriente Médio ao Japão no extremo leste, Nova Délhi vem procurando diversificar suas parcerias e fortalecer sua presença na região. Contudo, essa diversificação também incorre em tensões regulares, destacando-se, hoje, a relação da Índia com o Irã. Uma das maiores importadoras do petróleo iraniano, a Índia teve de parar as importações em maio deste ano, após os EUA ameaçarem aqueles que não seguissem as sanções aplicadas ao país. Nem mesmo a presença do ministro das relações exteriores iraniano na Índia no começo de maio foi capaz de retomar a compra do petróleo, uma vez que a posição indiana foi a de esperar as eleições para tomar qualquer decisão sobre o assunto.


Ainda que com grandes desafios, Modi terá toda a estrutura de governo para apoiá-lo, bem como uma maioria que o permitirá ter a capacidade de viabilizar, praticamente, qualquer projeto que queira, a menos que a oposição seja capaz de viabilizar alguma estratégia que a possibilite freá-lo. Tendo derrotado um membro do principal “clã” político da Índia e angariado uma vitória estrondosa sobre o CNI, Modi sai das eleições ainda maior do que entrou, quiçá como o maior nome da política indiana nas últimas décadas. Contudo, os desafios na área econômica ainda podem afetar a popularidade do primeiro ministro, e as instabilidades internacionais podem exigir deste uma capacidade de manobra que precisará ser sabiamente calculada.


Imagem: Bandeira do BJP. Por: Narendra Modi.


Artur Bertolucci é mestrando em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Datas e pesquisador do GEDES.

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