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A retomada das negociações entre Brasil e EUA para utilização da base de Alcântara: elementos da con



O debate sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas (AST) entre Brasil e Estados Unidos é realizado, muitas vezes, de forma tão imediatista e com tanta animosidade que nem sempre ajuda a entender os interesses e objetivos envolvidos na negociação. O assunto, que por alguns anos ficou adormecido na mídia e entre os atores políticos, foi retomado recentemente e pode estar prestes a ter um desfecho. Por isso, é válido partir de uma visão do quadro mais amplo em que as negociações estão acontecendo para se ter uma ideia do que está – e do que não está – envolvido no acordo.


Primeiramente, deve-se ter em conta que o conceito de acordo de salvaguardas tecnológicas não é algo definitivo, nem do ponto de vista jurídico, nem do político. O que serve de base comum para se definir o que é um AST é seu objetivo principal: a proteção da propriedade tecnológica de uma das partes. No entanto, como isso vai ser articulado depende de cada caso. Assim, é possível que o documento final seja composto por cláusulas além da principal – cláusulas estas muitas vezes políticas, especialmente quando o objeto da negociação é relacionado com atividades militares. No primeiro AST assinado por Brasil e EUA, foram principalmente as denominadas cláusulas políticas que geraram os maiores entraves e a paralisação das negociações.


No entanto, o período de interrupção dos diálogos sobre o assunto de quase 20 anos não é decorrente apenas das discordâncias sobre o teor do documento. Houve uma mudança de prioridades, por parte do Brasil e dos EUA, que diminuiu a importância do tema de Alcântara na agenda das relações bilaterais. No lado brasileiro, assumiu maior destaque a parceria com a Ucrânia, com a qual o país também assinou um acordo de salvaguardas – que também teve controvérsias. Com essa parceria, retornava à agenda política o objetivo de promover atividades comerciais na base de Alcântara. Os EUA, por sua vez, estavam concentrados em atualizar as prioridades e as atividades da sua política espacial e, no que tange às questões internacionais, o foco era a competição política e comercial com Rússia e China.


Embora as notícias sobre um novo acordo sejam bastante recentes, os primeiros passos foram de fato realizados em governos anteriores. Nesse sentido, uma das primeiras medidas foi tomada no governo de Dilma Rousseff, em 2011, com a assinatura de um novo Acordo Quadro com os EUA em política espacial. Essa iniciativa visava atualizar as garantias jurídicas e os compromissos na matéria, uma vez que o primeiro acordo dessa natureza data do ano de 1996. Contudo, a principal medida para a retomada das negociações ocorreu logo após o impeachment de Rousseff, em agosto de 2016, quando o novo presidente, Michel Temer, encaminhou uma mensagem ao Congresso demandando a retirada da tramitação do primeiro AST, sendo que a aprovação da mesma ocorreu em dezembro do mesmo ano. A importância dessa ação é decorrente de que, desde 2001, o acordo não havia sido cancelado, mas apenas se encontrava paralisado no Congresso. Sem seu cancelamento efetivo, uma nova negociação não poderia ser feita. Desse modo, foi o governo Temer o responsável por recolocar, na agenda do programa espacial brasileiro, as discussões sobre a utilização da base de Alcântara pelos EUA.


Ainda no governo Temer, dois outros acontecimentos constituem antecedentes fundamentais para a tônica da velocidade das negociações sobre um novo AST. Primeiramente, no final de 2017, a base recebeu a visita de representantes de empresas estadunidenses do ramo, como a Boeing Co e a Lockheed Martin Corp, que se destacam no campo de lançamento de foguetes de grande porte, como a Vector, uma das principais na área de lançamento de microssatélites. Em segundo, a assinatura do acordo de cooperação em segurança de voos espaciais e fornecimento de serviços e informação, também conhecido como Space Situation Awareness (SSA – Consciência Situacional Espacial, em português), em 2018. Trata-se de um compromisso com o objetivo de divulgar a situação do domínio espacial de cada país e aumentar a segurança dos lançamentos espaciais, para evitar colisões, por exemplo. Esses dois eventos demonstram como, em dois anos, o interesse mútuo por um novo acordo ficou tão acentuado que gerou rápidas negociações em questões tangenciais.


De fato, para que o objetivo de promover atividades comerciais na base de Alcântara seja concretizado, é importante firmar um AST com os EUA, que se mantém um dos principais países no comércio internacional de tecnologia e serviços espaciais. Contudo, a assinatura do acordo não será a solução dos problemas da base – e do programa espacial brasileiro – por duas questões principais: em primeiro lugar, é fundamental que o acordo firmado supere os dilemas políticos que sobressaíram no acordo passado, especialmente nos entraves à aplicação dos recursos ao programa espacial e às restrições à cooperação com outros países – cabe ressaltar, por exemplo, a China, que embora ainda não tenha conquistado a predominância que os EUA tem no setor, desponta em áreas que esse país apresenta algumas deficiências, além de ser um parceiro histórico do setor espacial brasileiro; em segundo lugar, tão ou mais importante que o AST é a melhora da infraestrutura da base. As poucas atividades realizadas nos últimos anos e a necessidade de melhorias e adequações das instalações da base para lançamentos de grande porte são questões que, no fim, podem oferecer restrições maiores – e que levariam mais tempo para serem solucionadas – às atividades comerciais do que a ausência de um AST com os EUA.


Adriane Almeida é mestre pelo PPGRI San Tiago Dantas e pesquisadora do Gedes.

Imagem: CLA -Centro de Lançamento de Alcântara. Por: Força Aérea Brasileira.

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