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DEFESA E FORÇAS ARMADAS NAS PROPOSTAS DE GOVERNO DAS ELEIÇÕES DE 2018



A intenção deste breve texto é a de expor e comparar os pontos relativos à Defesa e às Forças Armadas brasileiras nas propostas de governo dos candidatos à presidência da República nas eleições de 2018. De maneira geral, pudemos observar que os planos de governo apresentados para as próximas eleições se mantiveram vacilantes em expor linhas de ação definidas para a temática de Defesa. Com efeito, a atual conjuntura nacional implica preocupações mais veementes de candidatos e partidos às temáticas econômicas, como emprego, previdência social e endividamento público. Simultaneamente, assinala-se a ascensão de pautas que soerguem discursos conservadores, marcados por agravadas tendências ao autoritarismo e a políticas de exclusão.


Apesar das reduzidas linhas dedicadas à política de Defesa nas propostas de candidatura ao Executivo federal, observamos a reiteração de posições políticas da casta militar em um período recente. Adiante, é adequado ressaltar a ocupação de cargos políticos por membros das Forças Armadas brasileiras. Embora a manutenção de um militar, o general da reserva do Exército Joaquim Silva e Luna, no cargo de ministro da Defesa consista em um caso exemplar, é possível observar a presença de militares em outras instâncias do funcionalismo público. Simultaneamente, o emprego de militares das Forças Armadas brasileiras mostrou-se recorrente nos últimos mandatos presidenciais, promiscuindo a função essencial atribuída pela Constituição federal às forças de Defesa e o controle civil sobre os militares no país.


Exporemos abaixo as principais questões apresentadas pelos candidatos à presidência da República relativas ao tema da Defesa e das Forças Armadas. Selecionamos, para tal fim, as propostas de Guilherme Boulos, Fernando Haddad, Ciro Gomes, Marina Silva, Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro. Realizamos o recorte das candidaturas presidenciais de acordo com o matiz ideológico presente nas propostas divulgadas, sob o objetivo de alcançar posições e conteúdo díspares no espectro político partidário brasileiro.


A proposta de Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) inclui as temáticas relacionadas à Defesa Nacional sob o objetivo de minimizar a “violência de Estado” adicionando propostas associadas a Direitos Humanos e segurança pública. O plano de governo de Boulos compreende as forças castrenses como um “instrumento dissuasório e de autodefesa”. Adicionalmente, apresenta o objetivo de subordinar “claramente” as Forças Armadas brasileiras ao poder civil. O PSOL propõe o afastamento das Forças Armadas de atividades policiais. A única ação subsidiária que destina aos militares é a de auxílio a trabalhos de socorro a municípios que forem vítimas de calamidades, “sempre por determinação do Poder civil federal”.


O plano de governo do PSOL propõe a reversão da privatização da Embraer e inclui a importância de se reforçar o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS/UNASUL). Ponderando a respeito da “ditadura civil-militar” brasileira, na proposta explicita-se a importância do exercício do direito à memória e à verdade e propõe-se: a abertura de todos os arquivos militares do período; um projeto de lei de reinterpretação da Lei de Anistia (1979); a localização dos corpos desaparecidos e a criação do Programa Nacional de Memória, em vistas de identificar locais que serviram como centro de prisão e/ou tortura. Com o objetivo de democratizar as Forças Armadas, o programa propõe exercitar o direito à liberdade ideológica e o direito de voto. Em relação à educação, Boulos pretende desmilitarizar o ensino fundamental e médio; responsabilizar o Ministério da Educação pela estruturação dos conteúdos na educação de militares e democratizar a formação do oficialato.


No concernente à candidatura do Partido dos Trabalhadores (PT) na figura de Fernando Haddad, foi pontuada a importância de uma Política de Defesa, com referência ao documento Política Nacional de Defesa (PND) e à necessidade de recuperar as diretrizes e os projetos ali expostos. Com relação ao emprego dos militares em tarefas de segurança pública, a proposta petista critica “um progressivo desvirtuamento do papel constitucional das Forças Armadas”, exemplificado na atuação dos militares no estado do Rio de Janeiro. Outro tema indicado é o do desenvolvimento estratégico do país, com a reorganização da Base Industrial de Defesa e a retomada de importantes projetos tais como o submarino de propulsão nuclear e o Sistema de Foguetes “Astros 2020”. Por fim, caso eleito, Haddad propõe a volta de um civil à chefia do Ministério da Defesa e a busca por medidas jurídicas que reafirmem a Embraer “como instrumento nacional de grande importância tecnológica e estratégica”.


O programa de Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), se atenta primeiramente à necessidade da geração de empregos, dentro da qual propõe a definição de quatro grandes complexos prioritários, sendo um deles a Defesa. Adiante, na seção denominada “Defesa, Política Exterior e Soberania Nacional”, define a soberania como a capacidade de “poder dizer não aos que quiserem nos negar condições para desenvolvimento nacional”, alegando que o Brasil é o mais pacífico dos países com dimensões continentais, o que avigora a importância de nos defendermos. A proposta reafirma o compromisso com o documento Estratégia Nacional de Defesa (END), incluindo a reativação do complexo industrial de Defesa e a revogação da venda da Embraer.


Além disso, o plano de governo de Ciro Gomes reafirma seu compromisso com os programas de aquisição e desenvolvimento dos caças Gripen NG, do submarino de propulsão nuclear e da nova geração de blindados e armamentos do Exército. No documento do PDT encontram-se ainda a proposta de um debate a respeito da elevação da proporção do PIB dedicada à Defesa; uma atenção especial para os setores cibernético, espacial e nuclear e a superação da dependência dos Estados Unidos nas comunicações. Concluindo, a proposta de Ciro esclarece que “o emprego do Exército em operações internas será sempre excepcional e suplementar”.


A proposta da candidatura da Rede Sustentabilidade (REDE), com Marina Silva, para além da função tradicional atribuída ao corpo militar, admite o uso das Forças Armadas brasileiras no “combate ao contrabando, ao tráfico de drogas, de armas e de pessoas, bem como na proteção do meio ambiente, e em especial no combate à biopirataria”. Em vocabulário genérico, a proposta de governo apresentada reforça a necessidade de investimento nos recursos materiais e adequação do efetivo das três corporações militares.


O projeto exíguo apresentado pela candidatura do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), na figura de Geraldo Alckmin, não se dedica a uma propositura de ações para o setor de Defesa, concentrando-se nos desafios econômicos que se impõem ao próximo governo. Ao tanger os problemas mais urgentes da seara de segurança pública não menciona o emprego das forças castrenses.


Por fim, o plano de governo veiculado sob a sigla do Partido Social Liberal (PSL), que postula o deputado federal e capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro como candidato, se atém à satisfação de pautas das Forças Armadas. Ao enaltecer a classe militar, o plano de governo caracteriza as Forças Armadas brasileiras como uma “espinha dorsal à nação”, ou ainda como bastião “contra a barbárie’. A seção dedicada à Defesa nacional é erigida sobre um diagnóstico de “desconstrução” da imagem e das capacidades operativas das forças castrenses. O plano de governo do PSL destaca a intensão em “recuperar a capacidade operacional” e “valorizar” os militares brasileiros. Entre as medidas de modernização enfatiza-se a aquisição de capacidades através do desenvolvimento de pesquisa e tecnologia para atuar diante de “todos os tipos de violência”, incluindo uma ênfase em relação à necessidade de adquirir capacidade de atuação contra “ameaças digitais”. Adiante, enfatiza a possibilidade de emprego das Forças Armadas brasileirasem ações contra o crime organizado vinculado à necessidade de estabelecer um controle estrito das fronteiras nacionais. Nesse ponto específico, assinala a necessidade de ampliar a coordenação entre as forças de segurança pública e os efetivos das Forças Armadas.


É prudente indicar, no entanto, que as tarefas pretensamente caracterizadas como iniciativas de Defesa nacional na chapa do PSL se referem à atuação das forças castrenses em atividades subsidiárias ou voltadas ao emprego interno dos componentes militares. Com efeito, os efetivos militares são alçados, para além das funções tradicionais de Defesa nacional, à realização de iniciativas de “consolidação nacional”. Neste sentido, é aprofundada a possibilidade de engajamento de militares na realização de ações nos campos da saúde e educação.


A partir de uma breve análise das propostas acima expostas é possível identificar alguns temas recorrentes. Talvez o mais notório deles, por conta da atual crise na segurança pública no país, seja a possibilidade de empregar os militares em ações subsidiárias, outras que não a de Defesa nacional. Neste sentido, os textos de Marina e de Bolsonaro preveem o engajamento das Forças Armadas no combate ao crime organizado. Marina pontua o combate ao tráfico de drogas, armas e pessoas e o envolvimento dos militares em questões relativas ao meio ambiente e à biopirataria, e Bolsonaro, por sua vez, em temas de saúde e educação. Alckmin não menciona a participação dos militares em atividades de segurança pública. Por outro lado, Haddad, Boulos e Ciro criticam o sistemático uso das Forças em ações de segurança pública. A proposta de Ciro ressalta que tal emprego deve ser excepcional e de caráter suplementar. Boulos vai adiante e defende não somente o afastamento dos militares de atividades policiais mas também a desmilitarização das polícias. A exceção, na proposta do PSOL, seria engajar as Forças Armadas em atividades de socorro em caso de calamidades.


O segundo tema levantado pelos presidenciáveis diz respeito à indústria de Defesa, mencionada nas propostas de Haddad e Ciro. Ambos informam sobre a importância de reativar projetos estratégicos da área, tais como o submarino de propulsão nuclear, os blindados e armamentos do Exército e os caças Gripen NG. Neste ponto, a proposta de Ciro ressalta a necessidade de se investir no complexo de Defesa tanto em busca da geração de empregos quanto na tentativa de se superar a dependência aos EUA. Os programas de Haddad, Boulos e Ciro defendem uma revisão da venda da Embraer e sua reafirmação como importante instrumento tecnológico e estratégico à soberania do país.


A respeito das relações civis-militares, a proposta do PT promete o retorno de um civil como ministro da Defesa. Boulos se posiciona, com relação ao período do regime burocrático-autoritário (1964-1985), destacando o direito à memória e à verdade e a reinterpretação da Lei da Anistia. O presidenciável do PSOL defende ainda a desmilitarização e a democratização do ensino nas escolas militares. Severamente distinto, o candidato Bolsonaro destaca o modelo militar de ensino nos ciclos básicos de formação e propõe a multiplicação de unidades militares de ensino em todas as unidades federativas.


O aqui exposto, porém, não se trata de uma consagração de promessas muito menos de uma chancela analítica, visto que um rápido estudo das últimas décadas é capaz de apontar uma tendência que independeu de partidos e candidatos: o emprego dos militares em tarefas subsidiárias se tornou sistemático no Brasil. Em agravo, notam-se abalos às iniciativas de controle civil sobre as corporações militares, com a reiteração de posicionamentos de membros e grupos vinculados às Forças Armadas brasileiras quanto a questões da política nacional. Diante do cenário político-ideológico que agita o Brasil pré-eleições, resta verificar sob quais disfarces as Forças Armadas se farão presentes no próximo governo.


Laura M. Donadelli é doutoranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.


Leonardo de Paula é mestrando em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.


Imagem: Urna e terminal. Por: TRE- RJ.

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