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Os 50 anos do TNP: onde chegamos e para onde vamos?



Em julho de 2018, comemoram-se os 50 anos da conclusão e abertura para assinaturas do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que entrou em vigor em 1970. Espinha dorsal do regime de não-proliferação nuclear, o tratado apresenta um tripé: não-proliferação de armas nucleares, desarmamento nuclear e cooperação para os usos pacíficos da energia nuclear. Esse tripé reflete o quid-pro-quo entre os países que detinham armamentos nucleares (em inglês, nuclear weapons states, ou NWS) e os países que não possuíam essa capacidade (em inglês, non-nuclear weapons states, ou NNWS). De um lado, os NNWS renunciariam à ambição de adquirirem armamentos nucleares, recebendo em troca acesso facilitado à tecnologia nuclear para fins civis. De outro lado, os NWS se comprometiam a adotar medidas sistemáticas para a promoção do desarmamento e a respeitar o direito inalienável de todos os Estados à tecnologia nuclear para usos pacíficos.


De fato, esse arranjo consolidado no TNP foi resultado de duas décadas de reflexão sobre as possibilidades de controle da tecnologia nuclear, e sua formulação evidencia os desafios para a incorporação de perspectivas divergentes e conflitantes sobre as políticas a serem adotadas. O embate entre diferentes posições resultou na adoção de uma linguagem por vezes vaga ou ambígua, que não contrariasse abertamente os interesses das partes mais vocais na negociação. Assim, não foram estabelecidos critérios precisos para o desarmamento, e nota-se uma permissão tácita para a alocação de arsenais nucleares nos territórios de NNWS, contanto que esses arsenais pertencessem oficialmente às forças de NWS.


Desde 1970, o TNP demonstrou fragilidades, mas também apresentou importantes avanços. É notável, em primeiro lugar, a amplitude da adesão internacional ao tratado, a qual atingiu abrangência quase universal na década de 1990. Em 1992, França e China, que não haviam aderido ao TNP quando de sua formulação, passaram a compor o grupo dos NWS. Além disso, países tradicionalmente críticos do arranjo discriminatório estabelecido pelo tratado – ou seja, da diferenciação entre os países que desenvolveram armamento nuclear antes de 1968 e os que não estavam nessa condição - aderiram ao sistema, incluindo o Brasil e a Argentina. Não obstante esse sucesso, e apesar de o TNP ter mais Estados-parte do que qualquer outro mecanismo internacional controle de armamentos, os Estados que permanecem ausentes são justamente aqueles que optaram por adquirir armamentos nucleares à revelia dos termos acordados em 1968: Israel, Índia, Paquistão (que nunca assinaram o TNP) e Coreia do Norte (que assinou o TNP, mas denunciou o tratado em 2003).


Em segundo lugar, os mecanismos de salvaguarda, que envolvem processos de monitoramento e verificação, são um aspecto que repetidamente desperta debates internacionais. Esses processos, conduzidos pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e sistematizados em documento da própria AIEA (INFCIRC/153) em 1971, tinham como foco a fiscalização de materiais e instalações declarados pelos países signatários do tratado, e não a busca por materiais e instalações não declarados. A fragilidade desse modelo foi evidenciada no início da década de 1990, quando foi descoberto o programa nuclear clandestino do Iraque, após o fim da Guerra do Golfo.


Em decorrência disso, a década de 1990 trouxe novos esforços de reformulação do regime, com as deliberações acerca de um Protocolo Adicional (INFCIRC/540), que concedesse maior liberdade de ação à Agência. Assim, foram estabelecidos mecanismos para salvaguardas integradas, que garantissem aos Estados-parte do TNP que as declarações feitas pelos demais países eram não apenas corretas, mas também completas. Esses mecanismos, no entanto, só se aplicam aos países que aderiram ao Protocolo Adicional, ato que é inteiramente voluntário.


Em terceiro lugar, o que talvez seja o aspecto mais polêmico do TNP e de sua implementação se refere aos esforços dos NNWS para a promoção do desarmamento. Após 1970, as potências nucleares continuaram ampliando seus arsenais até o fim da década de 1980, à revelia do compromisso assumido através do tratado. Foi apenas com o fim da Guerra Fria e as mudanças no contexto geoestratégico que os esforços de desarmamento se tornaram uma realidade. De fato, esse ponto é sistematicamente fonte de discórdia entre os NWS e os NNWS, sendo que estes reivindicam ainda a concretização do Tratado Compreensivo de Proibição de Testes Nucleares (CTBT) como uma demonstração adicional do comprometimento dos NWS para com o desarmamento.


Além disso, os NNWS demandam garantias de segurança por parte das potências nucleares: garantias negativas, de que os armamentos nucleares não serão usados contra países que não têm capacidade nuclear; e garantias positivas, de que as potências nucleares estenderão sua proteção aos países que abrirão mão dessa capacidade. Não é surpreendente que os NWS relutem em assumir tais compromissos.


De fato, nas Conferências de Revisão do TNP realizadas a cada cinco anos, o distanciamento entre os NWS e os NNWS tem se acentuado, como evidenciado pelo esforço destes em promover a negociação de um Tratado de Proibição de Armas Nucleares, repudiado pelas potências nucleares. Assim, os últimos 50 anos viram importantes avanços, mas também mantiveram pontos de tensão pendentes. Em 2020, será realizada mais uma Conferência de Revisão do TNP, e muitas das mesmas questões serão levantadas e, provavelmente, permanecerão irresolutas.


Não há respostas simples para essas questões: sistemas de salvaguardas, desarmamento, garantias de segurança, Estados que rejeitam o regime. Ademais, essas questões tendem a se agravar na medida em que se complicam as relações políticas entre tradicionais aliados, como os Estados Unidos e os países europeus, e entre tradicionais rivais, como os Estados Unidos, a Rússia e a China. Mas a lição do TNP deve ser observada atentamente pelos líderes de Estado nesses tempos conturbados: a diplomacia evitou que o problema nuclear se tornasse uma catástrofe nos últimos 50 anos, e a diplomacia é ainda a melhor resposta para os desafios nucleares que virão.


Luiza Elena Januário é doutoranda pelo PPGRI San Tiago Dantas, professora da UNIP e pesquisadora do Gedes.


Raquel Gontijo é doutora pelo PPGRI San Tiago Dantas, professora da PUC- MG e pesquisadora do Gedes.


Imagem: Nuclear Wetlands. Por: James Marvin Phelps.

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