Saída da Venezuela da OEA: impactos para as relações regionais
A crise política na Venezuela é um assunto que, desde o final de 2015, vem ocupando maior espaço na agenda política da América do Sul. Um dos reflexos disso foi a convocação, por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA), de uma reunião dos Ministros das Relações Exteriores para o dia 26 de abril, visando analisar a crise política do país. Em contrapartida, a ministra das Relações Exteriores da Venezuela, Delcy Rodríguez, declarou que fora instruída pelo presidente Nicolás Maduro a iniciar a remoção do país da organização, caso o Conselho Permanente decidisse pela reunião extraordinária. Com a efetivação da mesma, Rodríguez, no dia 27, anunciou publicamente que daria início ao procedimento da retirada do seu país da Organização. Esse cenário de aumento das tensões entre OEA e Venezuela levanta perguntas: qual é a origem das discussões entre ambos? Qual é a postura da OEA sobre as ações do governo Maduro? E o que significa a eventual saída do país à luz das suas relações exteriores na região?
A relação entre Venezuela e OEA, que já apresentava sinais de desgaste desde o governo Hugo Chávez, foi agravada na gestão de Maduro, além do cenário de crise política e econômica, com denúncias de uso da violência na repressão de manifestações populares, houve o início dos conflitos entre o legislativo e o judiciário do país. Desde então, a disputa entre os poderes institucionais e a repressão violenta do governo às manifestações foram alvo das críticas da OEA. Ao longo de 2016, o secretário-geral da OEA, Luís Almagro, buscou gerar o debate sobre a situação venezuelana no Conselho Permanente da Organização, chegando a aprovar uma declaração de oferta de apoio à Venezuela para atuar na resolução da crise, iniciativa negada por Maduro. Em março de 2017, o aprofundamento das denúncias contra o governo venezuelano no relatório da Organização sobre a crise do país, juntamente com a ação do judiciário venezuelano de anulação da Assembleia Nacional reforçaram a visão dos países-membros a favor do acionamento da Carta Democrática, gerando o contexto da retirada da Venezuela.
Para a política externa venezuelana, a saída do país da OEA pode gerar mais consequências para suas relações regionais de modo geral do que para sua relação com a própria Organização. A OEA tem como função ser um espaço de debate político e, na sua Carta, proíbe a aplicação de medidas coercitivas políticas e econômicas em caso de desrespeito à ordem democrática. Sendo assim, as principais consequências ao país, com relação a essa instituição, são de ordem política e simbólica. Ademais, vale destacar também que o processo de retirada leva dois anos. Até a efetivação do mesmo, o país ainda responde pelos direitos e obrigações para com a instituição, como o pagamento de uma dívida de 8,7 milhões de dólares.
Por outro lado, na perspectiva regional, esse processo pode gerar consequências mais densas, quando se pensa a atuação dos demais países e instituições na busca por uma solução da crise venezuelana. A Venezuela já perdeu o apoio de importantes aliados como Brasil e Argentina, os quais eram peças importantes nos processos de diálogo instalados entre governo e oposição até 2016. Por outro lado, é importante ressaltar que ambos os países são atores de peso em diversas instituições regionais de integração, como o Mercosul e a Unasul. Portanto, o possível fortalecimento da crítica brasileira e argentina, como reflexo da saída venezuelana da OEA, pode impactar o comportamento desses organismos. O maior exemplo desse panorama é o Mercosul, onde a Venezuela, enfrenta um processo iniciado com sua suspensão e pode resultar na expulsão do bloco. Na Unasul, por sua vez, os países membros emitiram um comunicado condenando o episódio da anulação do legislativo, manifestando, assim, seu posicionamento crítico.
Contudo, há organizações regionais que apoiam o governo Maduro ou manifestam uma crítica mais moderada. Em apoio à decisão venezuelana, a Aliança Bolivariana para Nossa América (ALBA) - mecanismo de integração resultante da iniciativa de Chávez e do então presidente cubano, Fidel Castro, em 2001 – emitiu comunicado oficial expressando solidariedade para com o governo Maduro e condenou as ações intervencionistas do secretário da OEA. Por sua vez, a Comunidade dos Países Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), acatou solicitação venezuelana para uma reunião ministerial extraordinária, no dia 2 de maio. O atual presidente pró-tempore da instituição, o presidente de El Salvador, Salvador Sanchez Cerén, em comunicado oficial, afirmou que o órgão confirma seu compromisso com as tentativas de diálogo para a resolução da crise. Contudo, 7 dos 33 países membros - Bahamas, Barbados, Brasil, México, Paraguay, Perú y Trinidad y Tobago –, não compareceram à reunião, alegando motivos de agenda ou a ausência dos requisitos necessários para a mesma ser realizada. Como consequência, não houve uma conclusão da instituição sobre a crise política do país.
A saída venezuelana da OEA impacta o cenário da crise política do país, visto que este perde mais um espaço de discussão política e negociação entre as partes, mas também pode indicar um desgaste importante na integração regional. Primeiramente, observa-se conformação de uma polarização regional sobre a Venezuela, onde, de um lado, instituições que já eram contrárias ao governo Maduro tendem a aumentar o tom de suas críticas e o apoio aos grupos oposicionistas, enquanto instituições favoráveis ao governo podem manifestar, de modo mais assertivo, seu apoio à manutenção de Maduro no poder. O caso da CELAC ilustra como o aumento da polarização entre os Estados-membros pode desgastar seu principal mecanismo de ação: a busca pelo diálogo. Nesse sentido, as divergências dos países sobre a manutenção do governo Maduro podem prejudicar a capacidade de ação de instituições que, historicamente, eram percebidas pela Venezuela como contrapontos à ação da OEA no continente.
Desse modo, percebe-se também um impacto no próprio processo de integração. A crise venezuelana tornou-se um dos principais problemas da agenda política sul-americana e, embora não houvesse uma resposta uníssona das instituições, o diálogo regional ainda era percebido como uma alternativa possível. Contudo, nesse novo contexto, a Venezuela se fecha e busca outras opções pela via unilateral e os demais países se ausentam do debate político, o que, além de afetar a já limitada coesão regional, dificulta a efetividade das instituições. Portanto, o diálogo no âmbito regional torna-se mais uma dimensão complexa e polarizada de uma crise que não tem respostas fáceis.
Adriana Gomes Fernandes de Almeida é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais "San Tiago Dantas" (Unesp-Unicamp-PUC/SP) e pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES).
Imagem: Bandera de Venezuela en el Waraira Repano. Por: Jonathan Alvarez C.