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O fenômeno Le Pen: Violência, Imigração e Nacionalismo



Associada historicamente aos ideais iluministas de “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a França tem sido considerada ao longo dos séculos como berço civilizacional, símbolo de tolerância, laicidade e desenvolvimento social e humano. Tal imagem reflete-se não apenas no imaginário do Outro, mas consubstancia-se enquanto parte essencial da formulação da nacionalidade francesa. Entretanto, nos últimos anos, testemunhamos uma crescente erosão dos três grandes pilares da República Francesa, processo este facilmente atestável se considerarmos os resultados eleitorais de primeiro turno deste domingo, 23 de Abril, do qual Emmanuel Macron (do En Marche!) e Marine Le Pen (do Front National) foram os candidatos aclamados pelos eleitores para concorrer em um segundo turno.


O resultado não chega a ser surpreendente per se, uma vez que trata-se de desfecho já apontado em pesquisas eleitorais anteriores. Entretanto, é no processo que leva a tal resultado que reside os pontos de tensão. Apático, o atual presidente, François Hollande conseguiu inviabilizar a ascensão de um governo socialista nas eleições de 2017. Seu governo foi inexpressivo, se comparado ao carisma quase cínico com que seu predecessor, Nicolás Sarkozy, atuou. Somado a isso, os atentados em Paris, Nice e em Bruxelas extremaram o medo e a aversão ao desconhecido que passou a assolar a França e os demais países europeus. Discursos xenófobos e racistas foram a regra, elementos estes consagrados nos discursos do Front National.


Ademais das tentativas de Marine Le Pen de se desvencilhar da imagem de seu pai, Jean-Marie Le Pen, ex-presidente do Front Nacional, as linhas políticas de seu partido ainda baseiam-se fortemente numa concepção de “la France aux français” e seu discurso, além de anti-europeu, atribui os males que enfrenta seu país ao processo de globalização, notadamente no tocante à imigração em massa. Seu pai chegou a afirmar que a solução para a explosão demográfica no mundo seria o vírus Ebola. Marine, por sua vez, com declarações que afirmam que a colonização foi benéfica à países como a Argélia, declara-se “nem de direita, nem de esquerda, mas patriota”.


É, em suma, resultado e não causa. O ressurgimento dos nacionalismos europeus, a aversão ao Outro, o medo do desconhecido e os atos de terror perpetrados num confronto ainda longe de seu fim, compõem a fórmula perfeita para que observemos, uma vez mais, a ascensão de líderes populistas, com discursos violentos e que em essência negam ao Outro seu direito de existir, tirando deste sua legitimidade e sua humanidade. Com inegável oratória e habilidade política, a candidata da extrema direita francesa, agora rumo ao segundo turno, soube instrumentalizar de forma ímpar as insatisfações em seu país. Trata-se, não obstante, de fenômeno mundial, do qual temos ainda como exemplos Donald Trump, nos Estados Unidos e um certo deputado do Rio de Janeiro.


O desafio ao establishment político, seja na França, com a rejeição aos partidos Republicanos e Socialistas, nos Estados Unidos ou no Brasil – onde candidatos se elegeram com um discurso de “outsiders”, de negação da política tradicional –, é um fenômeno em si. O descontentamento com a globalização, a percepção de que tal processo não carrega inerente a si os benefícios pregados e a fragmentação das fronteiras leva a ampliação de choques interculturais, bem como entre distintas realidades políticas e sociais. Que a partir de tal fenômeno o espaço político venha a ser tomado por um discurso violento e excludente, como o de Marine Le Pen, é desastroso. Respostas não temos, além da apreensão, nos resta a crítica, a resiliência e, sobretudo, a resistência.



Jorge Matheus Oliveira Rodrigues é mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC/SP) e membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança (GEDES) e do Grupo de Estudos Comparados em Política Externa e Defesa (COPEDE).


Imagem: Meeting 1er mai 2012 Front National. Por: Blandine Le Cain.

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