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Trump, os caças do Bahrein e o próximo orçamento de defesa: por que os americanos falam pouco sobre


Recentemente, o governo Trump decidiu ressuscitar no Congresso um debate, iniciado ainda sob a gestão Obama, sobre uma venda de caças F-16 da fabricante Lockheed Martin ao Bahrein. Na administração anterior, a pauta fora travada sob a alegação de violações de direitos humanos, cometidas pelo governo destinatário da compra. Apesar de críticas advindas de movimentos de direitos humanos dos Estados Unidos, a proposta deve ser encaminhada ao Legislativo, no qual sofrerá um processo de análise, revisão e votação. Mesmo tendo sofrido derrotas recentes importantes, como a tentativa frustrada de revogação do ObamaCare, é possível que, com a intensificação de pressões do lobby armamentista e mudanças estratégicas no texto a ser debatido, o equilíbrio de forças se desloque em favor de Trump nesse tema.


Embora noticiado como um acontecimento isolado, o caso das vendas ao Bahrein deve ser compreendido sob a luz de um cenário mais amplo, que envolve a análise das próprias políticas externa e de defesa americanas. Também sob apreciação legislativa encontra-se a proposta orçamentária do governo Trump para o ano de 2018. Essa última prevê a destinação de um montante de US$639 bilhões à defesa, representando um aumento de US$54 bilhões em relação ao último orçamento submetido por Barack Obama. Os demais setores federais, incluindo educação, saúde e transportes, sofreram cortes severos. O orçamento do Departamento de Estado e os fundos da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), responsável pela promoção de ajuda externa humanitária, foram reduzidos em 29%.


Tal opção, que deve ser encarada como política, e não econômica, não distancia Trump da história da política norte-americana, de forma geral. A desproporção entre o orçamento das agências relacionadas à defesa e segurança nacional, e aquelas direcionadas à diplomacia, tem sido uma tendência, desde a consolidação da máquina de guerra estadunidense, nos anos 1940. Da mesma forma, o presidente, que foi eleito com promessas de tornar o aparato de defesa “grande outra vez”, encontrou amplas demonstrações de apoio entre representantes das Forças Armadas e das companhias militares privadas. Alguns desses últimos exercem, inclusive, cargos de relevância no staff da administração republicana.


O fato de o cálculo de Trump ser influenciado por interesses econômicos ou institucionais domésticos não o torna uma anomalia. Por outro lado, a mensagem que se passa é a de que os EUA adentrarão mais um período de sua história no qual a defesa, a segurança e o gerenciamento de intervenções militares não serão debatidos seriamente. Em outras palavras, o país continuará a se valer predominantemente da face militar para se relacionar com o mundo, sem, entretanto, oferecer uma estratégia militar concreta. Sobressaem-se, novamente, as motivações econômicas e paroquialistas que movimentam o jogo político estadunidense. Não surpreende, portanto, que, prestes a completar cem dias de mandato, a administração republicana não tenha sequer divulgado pistas claras sobre a condução dos teatros nos quais as tropas americanas permanecem inseridas, como Iraque e Afeganistão. Nesse sentido, a elevação dos gastos não se traduz, necessariamente, em melhora do desempenho tático do país que, apesar de possuir o maior investimento militar do mundo, não consegue se ver livre de fantasmas que remontam à derrota no Vietnã.


Como no caso dos caças, a proposta orçamentária deve ainda ser aprovada pelo Congresso, mas muitas vozes têm se mostrado alarmadas pelos possíveis impactos dos cortes nos instrumentos diplomáticos. O secretário de defesa, James Mattis, chegou a afirmar que, se a ajuda externa fosse cortada, precisaria “comprar mais munição”, indicando uma visão relativamente crítica à propensão demonstrada pelo atual presidente de solucionar problemas não militares com mecanismos militares. Ainda assim, alguns Republicanos, como o deputado do Texas Mac Thornberry, consideraram o orçamento proposto para a defesa como insuficiente, em relação às demandas atuais das Forças Armadas. O debate está longe de um encerramento, aparentemente. Mas boa parte da população civil permanece fora dele.


De qualquer modo, as ações de Trump, tal qual sua eleição, são reflexo das percepções de uma maioria para quem, segundo pesquisa recente divulgada pelo índice Gallup, a instituição militar é, entre as principais instituições norte-americanas, a mais confiável. A de menor confiança, por seu turno, é o Congresso, que vem abaixo de veículos como jornal e televisão, por exemplo. Não obstante, quando questionados sobre o papel global desempenhado pelos Estados Unidos, 57% dos participantes (e 54% dos eleitores de Trump), acreditavam que o país deveria “lidar com seus próprios problemas e deixar os outros lidarem com os deles da melhor forma possível”. Para essa parcela da população, não parece que o reforço à militarização e o mote eleitoral supostamente menos intervencionista de Trump, “America First”, caiam em contradição. Esse tipo de comportamento, por sua vez, é representativo da relação ambígua da população americana com a guerra e as Forças Armadas, descrita por Wright Mills, no século XX.


Segundo o sociólogo, os Estados Unidos que “nasceram pela violência” também enxergavam os militares como parte de uma elite parasitária, cuja existência representava um “mal necessário” e potencial ameaça à liberdade individual de exercício da violência. Assim, era necessário que esse grupo se mantivesse sob o controle civil e distante dos negócios da política. Por outro lado, a mesma força de repulsão foi convertida, historicamente, em admiração, à medida em que o suposto distanciamento entre militares e política fora associado à a-politicidade e, consequentemente, à moral e incorruptibilidade. De volta ao século XXI, o discurso de rejeição ao político continua a encontrar plateias, embora os representantes das Forças Armadas não sejam os únicos a se utilizar dele: presidentes multibilionários também o fazem. Não por acaso, uma venda de caças ou uma elevação significativa nos gastos de defesa parecem estar acima de quaisquer suspeitas. “It’s all about business”, afinal.

Clarissa Nascimento Forner é mestranda em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.

Imagem: Memorial Day Ceremony May 24 2012. Por: Steven L. Shepard, Presidio of Monterey Public Affairs.

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