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Trump e a segurança latino-americana: algo de novo no front?



O conteúdo negativo das reações que se seguiram à vitória de Donald Trump em todo o mundo foi também a tônica das manifestações na América Latina a respeito do resultado do pleito. Embora tenham adotado o tom padrão da liturgia diplomática para cumprimentar o presidente eleito, durante a eleição vários mandatários da região manifestaram apoio, explícito ou tácito, à candidata democrata. A chanceler argentina, Susana Malcorra, chegou a declarar em uma rede social que era “uma pena” que Hillary Clinton tivesse perdido a eleição e o ex-presidente uruguaio, Jose Mujica, respondeu com um pedido de socorro à notícia da vitória de Trump.


A xenofobia dirigida aos latinos pelo então candidato é, sem dúvida, um fator que alimenta o rechaço a ele na região, mas o significado de sua eleição será certamente mais profundo, ainda que pouco discernível neste momento. As relações com os Estados Unidos são, para todos os países da região, um capítulo central de suas políticas exteriores, sejam pelo prisma econômico, político ou estratégico. Como ator que exerce a hegemonia sobre o continente, os impactos da ação dos EUA repercutem ineludivelmente sobre a América Latina e, se por um lado, tomar o continente como uma marionete cujos cabos ficam em Washington é um erro, por outro, ignorar ou minimizar o peso que as políticas estadunidenses têm para a região é igualmente equivocado.


Do ponto de vista de agendas políticas concretas, o significado da eleição de Trump para o campo da segurança latino-americana contém, como tudo que envolve o presidente eleito, uma dose significativa de incerteza. À parte das promessas espetaculosas de construção de um muro na fronteira com o México, e de deportação em massa de imigrantes ilegais, dentre os quais se incluem milhões de latino-americanos, a América Latina não teve nenhum destaque nas “propostas” de campanha do republicano. Ou seja, se em relação a diversos temas de política externa é possível conjecturar a partir das declarações de Trump, por mais inapropriadas e implausíveis que sejam, o silêncio em relação à América Latina amplia a incerteza sobre o ajustamento da região dentro da política externa do próximo governo.


Há dois aspectos essenciais a serem considerados. O primeiro deles é que, independentemente da linha de política externa que assuma o governo, é muito improvável que a América Latina seja movida para o centro da agenda de segurança dos Estados Unidos. Esta, há mais de uma década, vem se concentrado no Oriente Médio e, mais recentemente, no sudeste asiático. A recente indicação do general reformado James Mattis, com larga trajetória de atuação no Oriente Médio, sinaliza que esse vetor deverá seguir como prioritário para os EUA.


O segundo elemento deve ser explicitado em face de um engano que pode ser suscitado pelo quadro desenhado anteriormente. O fato de o núcleo da agenda de segurança dos EUA se dar alhures não equivale a dizer que exista um vácuo da presença do país no contexto da segurança do continente americano. Muito ao contrário, existe uma ampla agenda que envolve diferentes níveis de cooperação entre Forças Armadas, polícias e agências federais, cuja expressão mais visível é a do combate ao tráfico de drogas. Além disso, o fato de essa agenda se desenvolver sem ter na mobilização de tropas militares sua tática principal faz com que ela seja menos ostensiva, o que, novamente, não significa que seja menos relevante ou intrusiva.


Uma ideia precisa da dimensão dessas agendas pode ser visualizada ao observarmos dados relativos aos programas de ajuda externa do Departamento de Estado, que transferem recursos para áreas definidas aos países da região. Em 2016, 28%, do orçamento solicitado pelo Departamento de Estado ao Congresso para os programas de ajuda externa à América Latina eram voltados ao setor de segurança. Em números absolutos, o montante chega a cerca de 551 milhões de dólares, divididos nas seguintes áreas: Treinamento e educação militar, controle de narcóticos e fortalecimento da lei, financiamento militar externo e não-proliferação, antiterrorismo, desminagem e programas correlatos.


Por sua própria forma, as relações entre EUA e América Latina no campo da segurança terminam sendo operadas mais em nível burocrático do que político. Destarte, alguns dos itens dessa agenda, como a cooperação entre Forças Armadas e o combate ao tráfico de drogas, registram importantes continuidades que remontam há quase três décadas, de modo que supor a permanência dessa continuidade parece bastante plausível. A menos, claro, que Trump consiga o improvável: alterar profundamente o quadro geral do serviço público estadunidense, suas diretrizes e modus operandi.


Tendo isso em vista, mais do que entender as visões e motivações de Donald Trump, conhecer o nome do próximo titular do Departamento de Estado pode oferecer um indício mais consistente dos rumos que tomará a política de segurança na América Latina. A esse respeito, deve-se destacar que não há uma definição formal do próximo Secretário de Estado, e dois dos principais nomes apresentam algum tipo de vinculação com a região. Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova Iorque, é dono de uma companhia que presta consultoria ao governo de El Salvador no combate ao crime. Já Mitt Romney, senador e ex-candidato à presidência, apresentou poucas diferenças concretas em relação a Obama, apesar das críticas a seu governo, e direcionou atenção específica apenas ao México.


Há, portanto, pouca base concreta para levantar possibilidades de guinadas na política de segurança para a América Latina. Nesse sentido, a continuidade parece mais provável e, considerando o tom conservador das propostas de Trump, o mais plausível é supor um endurecimento de posições em temas como tráfico de drogas, o que tende a aprofundar a forma atual como a questão é tratada. Esta última possibilidade aparece ainda mais factível ao termos em vista que o atual contexto regional é marcado por um aumento do número de governos inclinados a uma maior aproximação com os EUA e políticas externas menos assertivas. Importa ainda destacar que a observação atenta da forma como o Departamento de Estado, de Defesa e as agências federais operacionalizam suas agendas de cooperação com a América Latina pode oferecer insights interessantes para refletirmos sobre qual é o poder real que as burocracias de Estado possuem nos EUA e quão vulneráveis são às mudanças políticas no país. Ao fim, a permanência de problemas e possibilidades típicas do que significa ter os EUA como potência continental hegemônica parece o prognóstico mais consistente para os que estão abaixo do Rio Grande.


Matheus de Oliveira Pereira é mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisador do GEDES.


Imagem: Donald Trump. By Gage Skidmore.

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