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Forças Armadas, segurança pública e democracia



Acontecimentos recentes colocaram em evidência a atuação dos militares brasileiros em ações ligadas à segurança pública e a outras atividades que não se referem à defesa externa. Destaca-se a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, para as quais o efetivo militar mobilizado superou os 20 mil homens. Apesar de o emprego das Forças Armadas para garantir a segurança de eventos internacionais de grande porte constituir uma prática frequente, devemos pensar a questão com base nas especificidades brasileiras.


Somam-se à realização desses eventos, o pedido feito pelo Procurador Regional do Estado do Rio de Janeiro, para que os militares sejam mantidos no estado, findas as atividades olímpicas, com a finalidade de garantir a segurança nas eleições municipais, a mobilização do exército para conter a onda de violência que se instaurou no Rio Grande do Norte, e a utilização de militares para conter queimadas no estado do Acre, que nos remetem à prática recorrente de empregar as Forças Armadas para suprir, ou escamotear, deficiências estruturais do Estado. Os fardados são convocados para atividades que vão desde a distribuição de alimentos, campanhas de vacinação e de combate à dengue, obras públicas, suporte à realização de eleições, assistência a vítimas de desastres naturais, até o combate ao narcotráfico. O hibridismo no treinamento e emprego das Forças Armadas brasileiras torna-se novamente notícia, e preocupação crítica para a instituição democrática no Brasil, quando o capitão de inteligência do Exército, Willian Pina Botelho, foi acusado de espionar militantes políticos contrários ao recém-empossado presidente, Michel Temer. Botelho, utilizando o pseudônimo de Baltazar Nunes, aproximou-se de jovens militantes, através das redes sociais, auxiliando a Polícia Militar do estado de São Paulo a identificá-los.


Em tempos de intenso debate acerca da democracia, especial ênfase deve ser dada à atuação dos meios castrenses em missões de segurança pública. O regime militar brasileiro (1964-1985), fundamentado na Doutrina de Segurança Nacional, intensificou a fusão – característica brasileira de longa data – das funções de segurança interna e a defesa nacional, sob a égide do inimigo interno. Com a saída dos militares do centro de decisão política, fazia-se necessário reinserir a instituição militar em um ordenamento político democrático, revisando suas atividades e prerrogativas. Todavia, o modo no qual se processou o fim do regime autoritário no Brasil, com intenso controle dos militares, impossibilitou um debate público sério e profundo acerca do papel que cabe ao instrumento castrense.


A Constituição de 1988, resultado de tal processo político, atribui às Forças Armadas as funções que se fizeram presentes em quase todas as cartas magnas brasileiras: defesa externa, garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. A Lei Complementar 97/1999, e suas sucessivas alterações, atribui ao Presidente da República, enquanto Comandante Supremo das Forças Armadas, a responsabilidade de definir as ocasiões em que o instrumento militar será empregado para a garantia da lei e da ordem, sendo, para tanto, necessário considerar os instrumentos de segurança pública como esgotados ou inexistentes. Ademais, tais atuações devem ser restritas no tempo e no espaço. Porém, o caráter pontual e emergencial da atuação das Forças Armadas em segurança pública é posto em questão, quando em 2005 é estabelecido na cidade de Campinas, no estado de São Paulo, o Centro de Instrução de Operações de Garantia da Lei e da Ordem, com a finalidade de capacitar recursos humanos, elaborar doutrinas próprias e realizar trabalho de adestramento.


Abundantes são as preocupações ligadas à inadequação das Forças Armadas para a segurança pública. Por um lado, a “policialização” do instrumento militar tem como consequência a desprofissionalização do mesmo, gerando, consequentemente, implicações negativas para eficiência no desenvolvimento de sua atividade precípua: a defesa externa. A profissionalização militar vincula-se ainda ao estabelecimento de um controle objetivo do governo civil eleito sobre os fardados, os quais historicamente tomaram para si prerrogativas que extrapolam o espectro de atribuições militares, intervindo constantemente de modo direto ou indireto na vida política. Neste sentido, delimitar de modo claro o âmbito de atuação do aparato castrense torna-se condição necessária para a consolidação das instituições democráticas. Por outro lado, deve-se pensar as características do treinamento militar, o qual, por ter como pressuposto a defesa do Estado em relação a uma ameaça existencial, baseia-se na letalidade. Deste modo, uma das principais problemáticas ligadas ao emprego interno das Forças Armadas é o uso desmedido da força contra a população civil, com implicações evidentes para os direitos humanos. Ademais, são frequentes as críticas ligadas ao uso do instrumento castrense para suprir debilidades do Estado como mecanismo para justificar o orçamento militar, uma vez que, ao não se perceber uma ameaça convencional eminente, as problemáticas internas ganham maior atenção, colocando em questão a razão de ser das Forças Armadas.


Neste sentido, a construção de um sistema de defesa eficiente e coerente com os preceitos democráticos, passa pela desmilitarização da segurança pública, eliminando a ideia de inimigo interno e revisando efetivamente o passado ditatorial brasileiro.



David Succi Junior é mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisador do GEDES.


Imagem: Segurança na Olimpíada em Brasília será feita por 8,5 mil profissionais. Por: Agência Brasília.

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