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A capacidade nuclear da Coreia do Norte e a estratégia do fait accompli


A Coreia do Norte realizou, no dia 9 de setembro, seu quinto teste nuclear, que parece ter sido o maior até o momento, atingindo aproximadamente 10 kilotons (a bomba de Hiroshima, por exemplo, é estimada em 15 kilotons, enquanto a maior bomba já testada chegou a 50 megatons). Desde o começo de 2016, que se iniciou também com uma explosão nuclear, em 6 de janeiro, o país tem dado repetidas mostras dos elevados investimentos voltados para o desenvolvimento de sua capacidade no setor, não apenas na produção de explosivos nucleares, mas também dos meios de entrega, com repetidos testes de mísseis e avanços na sua capacidade de lançamento por submarinos.


Devido à intensa censura que opera dentro do país e da dificuldade de acesso a informações confiáveis sobre seu contexto doméstico, é difícil identificar com clareza os fatores que motivam a postura nuclear norte-coreana. É possível, contudo, sugerir algumas conjecturas. Primeiro, essa postura pode ser fruto do contexto de segurança da Coreia do Norte, em conformidade com as justificativas manifestadas pelo próprio governo de Kim Jong-Un. Assim, o desenvolvimento do arsenal nuclear decorreria da insegurança gerada pela presença dos Estados Unidos na península coreana e sua histórica aliança com a Coreia do Sul. De fato, em julho deste ano, foi anunciado o estabelecimento de um escudo antimísseis em território sul-coreano, como uma forma de conter a ameaça do Norte na região. Além disso, a posição de extremo isolamento internacional do regime norte-coreano contribui para sua percepção de que a capacidade nuclear constituiria um elemento dissuasor fundamental, desencorajando futuras intervenções externas para a promoção de uma mudança de regime no país (algo com amplos precedentes na história recente do Oriente Médio).


A segunda conjectura é diplomática. O desenvolvimento de explosivos nucleares e de mísseis de maior alcance seria uma estratégia para pressionar a retomada das negociações com os vizinhos asiáticos e com os Estados Unidos. Essas novas negociações poderiam resultar na suspensão das pesadas sanções que são, há anos, impostas à Coreia do Norte. Parece claro, no entanto, que as repercussões deste novo teste nuclear serão contrárias a essa esperança, ao menos em um primeiro momento, já que uma nova onda de sanções deve ser anunciada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, que se reuniu em caráter emergencial após o anúncio da explosão.


Finalmente, a terceira hipótese sobre o que motiva a postura nuclear norte-coreana é doméstica, e nos leva a olhar para o contexto político interno do país. Desde a morte de seu pai, o atual ditador Kim Jong-Un tem buscado se firmar como líder do regime, frente às pressões do alto escalão do Partido dos Trabalhadores da Coreia. De fato, em maio deste ano, Kim realizou o Sétimo Congresso do Partido, o primeiro a ser convocado em mais de 35 anos. Esse evento, de proporções faraônicas, parece ter sido orquestrado para celebrar a liderança de Kim Jong-Un, que foi então investido dos poderes do recém-criado cargo de presidente do Partido. Nesse contexto, os avanços militares e os frequentes anúncios de novos testes de mísseis são uma mostra de força do regime, e uma ameaça velada às potenciais concorrências políticas que possam emergir no cenário doméstico.


É adequado supor que todos esses fatores contribuíram para a política nuclear norte-coreana. De qualquer forma, independentemente das motivações que levaram a Coreia do Norte a adotar seu atual curso de ação, parece claro que esta situação impõe um dilema para os países do seu entorno estratégico: o que deve ser feito a partir de agora?


Já no dia 9 de setembro, logo após o anúncio de que o teste nuclear havia sido realizado, foi convocada uma reunião emergencial dos membros do Conselho de Segurança, que devem anunciar novas sanções à Coreia do Norte. Não está claro, no entanto, se essa abordagem será eficaz. É possível que sejam impostas sanções estabelecendo um embargo à importação de petróleo pela Coreia do Norte, o que poderia ter um forte impacto sobre sua economia (fortemente dependente do abastecimento externo para fornecimento de energia). No entanto, o país já demonstrou reiteradas vezes sua disposição a se adaptar a condições de intenso isolamento e privações materiais. Além disso, o impacto dessas sanções seria sentido de forma muito mais profunda pela população norte-coreana em geral do que por seus governantes, o que vai de encontro aos princípios de não-penalização de inocentes, que tendem a orientar as medidas adotadas pela ONU.


Paralelamente, a cada nova provocação por parte da Coreia do Norte, aumentam as pressões para que os Estados Unidos adotem uma postura mais firme e potencialmente beligerante. Essas pressões vêm, sobretudo, de seus aliados asiáticos, a Coreia do Sul e o Japão, que sofrem a ameaça norte-coreana de forma mais direta, e enfrentam, em seus próprios contextos domésticos, demandas crescentes por um aumento dos recursos de defesa nacional. Também dentro dos Estados Unidos, os argumentos favoráveis a uma postura mais rígida podem ganhar força, já que os avanços na capacidade de mísseis da Coreia do Norte significam que o país poderá, no futuro não muito distante, ter condições para lançar um ataque nuclear sobre o território estadunidense, o que ainda não é possível (estimativas indicam que o míssil de maior alcance norte-coreano já é capaz de alcançar o Alasca).


A despeito dessas pressões crescentes, iniciativas militares por parte dos Estados Unidos para conter a ameaça norte-coreana se deparariam com obstáculos geopolíticos regionais. A China é, atualmente, o único aliado forte da Coreia do Norte, e seu governo já deixou claro que não apoiará nenhuma intervenção sobre o país, principalmente devido à possibilidade de que tal intervenção resulte em um vazio de poder e uma desestruturação fundamental da política local. Isso abriria espaço para que o poder fosse assumido pela Coreia do Sul, de modo a viabilizar a reunificação da península, o que representaria a expansão da influência estadunidense para além do Paralelo 38 (marco que divide oficialmente os territórios das duas Coreias). Contudo, o apoio chinês ao regime de Kim se enfraquece a cada novo teste realizado, e traz crescentes manifestações de repúdio e condenação por parte de Beijing. Além disso, as relações entre os dois países parecem estar se esfriando também por parte da Coreia: no Congresso do Partido, em maio, o discurso proferido por Kim Jong-Un condenava os “ventos de liberdade burguesa” e de “reforma” que sopram na região.


Alternativamente a uma abordagem belicista, o mais provável é que sejam retomadas as negociações com a Coreia do Norte, trazendo de volta à mesa propostas de alívio das sanções em troca do desmantelamento do seu programa nuclear. Contudo, é extremamente improvável, no atual cenário, que a Coreia do Norte abra mão dessa sua capacidade. O país parece estar adotando uma estratégia conhecida como fait accompli, ou fato consumado, em que um rearranjo de forças é apresentado como já consolidado. Assim, a Coreia do Norte tem acelerado o passo do seu desenvolvimento no setor atômico, para materializar-se já como uma potência nuclear e forçar o reconhecimento internacional desse seu novo status.


Portanto, se as negociações com o país forem retomadas, pode ser possível convencê-lo a frear seu programa nuclear e manter seu pequeno arsenal (estimado em 10 ogivas) nos níveis atuais. Mas qualquer proposta mais radical do que esta deve encontrar uma extrema resistência por parte do governo norte-coreano.


Enfim, os termos do acordo oferecido à Coreia do Norte deverão ser bastante generosos para convencê-la a mudar seu curso de ação. As negociações serão, sem dúvida, mais espinhosas do que aquelas realizadas em anos anteriores, já que é sempre mais fácil convencer um país a desistir de uma capacidade que ainda não tem do que abrir mão daquilo que já possui. Essa é a força do fait accompli.


Raquel Gontijo é doutoranda em Relações Internacionais pelo Program de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.


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