Processo de Paz na Colômbia: Habemus Pactum
“Ese es el acuerdo que se ha concluido hoy. Es un acuerdo que beneficia, protege y fortalece los derechos de todos los colombianos. Es un acuerdo que responde a todas las dimensiones del conflicto y, por eso, precisamente por eso, nos permite cerrar el capítulo de la guerra con las FARC y empezar a escribir el nuevo capítulo de la paz” – Presidente Santos.
Depois de anos de discussões, debates, superação de dificuldades e muitas negociações, na esteira da assinatura de diversos acordos parciais e com o respaldo da comunidade internacional, o dia 24 de agosto de 2016 ficará marcado na história colombiana pela tomada de um grande passo oficial que visa marcar o início do fim oficial do conflito interno contemporâneo mais longo da América do Sul. Às vésperas de se completarem quatro anos da instalação do atual processo de paz na Colômbia, que teve início com o “Acordo Geral para Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura”, as partes anunciaram a consecução de um acordo final.
Embalados pelo acordo “de cessar fogo e de hostilidades bilateral e definitivo e de entregar as armas”, assinado em 23 de junho de 2016 e complementado por anexos e protocolos no início de agosto do mesmo ano, tanto o governo nacional colombiano quanto as FARC-EP adiantaram as negociações dos pontos restantes em pauta a fim de que a assinatura do acordo final se desse no menor prazo possível.
As partes em negociação já haviam finalizado tratativas relativas à maior parte dos temas abarcados pela agenda de negociação proposta, quais sejam: desenvolvimento agrário integral (06/2014), participação política (11/2013), drogas ilícitas (05/2014), vítimas (12/2015), criação de uma jurisdição especial para a paz (09/2015) e cessar fogo (06/2016). Além disso, a justiça colombiana havia aprovado, em julho de 2016, a realização de um plebiscito popular como parte do processo para referendar os acordos obtidos na mesa de negociação, e o acordo de fim das hostilidades já prevê, em seu corpo, a participação de representantes do governo, das FARC-EP e da Organização das Nações Unidas como futuros responsáveis pela verificação da implementação do acordo final que estava sendo desenhado.
Com isso, os últimos momentos de negociação puderam ser dedicados aos detalhes finais de implementação, a eventuais pontos de discordância relativos a temas anteriores que ficaram em suspenso e aos detalhes técnicos envolvidos na consolidação do acordo final. Após o anúncio da assinatura do acordo de paz, tanto o presidente Santos enviou, no dia 25 de agosto, o documento para o Congresso Nacional Colombiano quanto as lideranças das FARC-EP comunicaram a realização de uma Conferência Nacional da guerrilha, ambos para apresentação oficial do acordo nas duas instâncias.
A partir desse momento o governo do país terá um curto prazo para organização do plebiscito, por meio do qual a sociedade civil colombiana deverá referendar ou não os acordos assinados, e a guerrilha terá um prazo de seis meses, segundo o acordo, para consolidar o processo de entrega das armas ao governo, com acompanhamento e verificação da comissão mista.
Consolidados todos esses procedimentos, o acordo prevê que as FARC-EP passem a atuar como movimento político, seguindo diretrizes acordadas para sua participação na dinâmica da condução do país nas próximas eleições, tanto relativamente a como atuarão nos primeiros anos – até 2018 terão assentos no Congresso com direito a voz, mas não voto –, quanto aos direitos que terão nos próximos pleitos – nas duas próximas rodadas eleitorais aquele que será então um ex-grupo guerrilheiro terá direito garantido a cinco assentos para representantes eleitos, independentemente da quantidade de votos, até que construa sua dinâmica própria para atuar na política nacional.
Outro ponto importante finalizado com a assinatura do acordo final foram as regras para a reinserção de ex-combatentes na dinâmica nacional. Segundo a declaração dada por Santos quando da assinatura, mesmo tendo sido acordadas condições especiais para membros da guerrilha que ocuparam cargos baixos, a construção da justiça do país demandará os princípios básicos da verdade e da reparação, sendo necessário o reconhecimento de todas as ações conduzidas. Além disso, não foi totalmente descartada a possibilidade de punições severas de acordo com o crime cometido e conforme a postura dos indivíduos quanto a assumir suas responsabilidades.
O documento apresentado em agosto, como último resultado de um processo que durou anos e que se propõe a finalizar um conflito armado que durou décadas, traz em seu corpo a expectativa de simbolizar o efetivo início de uma etapa posterior na história colombiana. O acordo não se propõe a ser marco de uma transferência imediata entre um momento de violência e um novo contexto de paz, mas sim a tornar-se referência, guia e base para a consolidação de um processo de superação de entraves do conflito que marcou a história do país, até a construção de uma nova realidade em que prevaleça a estabilidade e a reconciliação.
A próxima importante etapa para a consolidação do processo de paz recairá sobre a sociedade civil colombiana que deverá dar ou não seu aval ao resultado de todo o processo estabelecido nos últimos anos no país e, por meio do plebiscito, comunicar às altas cúpulas políticas e ao grupo guerrilheiro sua opinião sobre como deverá ser o futuro do país. A assinatura do acordo final e seu envio para consideração do congresso nacional colocarão em destaque uma parte importante do processo que historicamente fez parte do conflito e cujas reivindicações de participação na solução negociada nem sempre foi percebida ou assimilada. Uma das grandes importâncias dessa etapa está no fato de que a sociedade será parte fundamental na aplicação de todo o acordado e fator chave na consolidação ou não de um processo de paz no cotidiano do país.
Tendo a sociedade colombiana aprovado o acordo na sua totalidade – não será possível votar pontos em separado – alguns desafios importantes devem se apresentar. Entre eles é possível destacar a relação que deverá ser estabelecida com os membros da guerrilha para promover a desmobilização, a fim de que sejam consolidadas as condições para sua reinserção pacífica na sociedade e de que não abandonem o processo para tomar parte na fileira de grupos ainda em ação – como a guerrilha ELN, os paramilitares e/ou as chamadas “bandas criminales”. Outro ponto será a chamada “pedagogia para a paz”, ou seja, a apresentação do acordo e das medidas nele inclusas para a integralidade da população do país, de modo que o conhecimento das medidas acordadas diminua possíveis ímpetos revanchistas por parte daqueles afetados pelo conflito e para que possa ser dado início efetivo à superação do passado recente. Por fim, medidas políticas e jurídicas envolvidas no processo pós-acordo de consolidação de uma nova realidade implicarão em custos políticos e financeiros para o país. Portanto, será necessário manter a continuidade dos empenhos da classe política colombiana, a fim de que as ações necessárias sejam implementadas com sucesso (tais como a aprovação das medidas incluídas na chamada “justiça transicional”, como as regras de anistia e alterações nas penas que serão aplicadas aos ex-combatentes envolvidos no alto comando).
Esses desafios são apenas exemplos daqueles que surgirão quando chegar o momento de implementação do acordo obtido no processo de paz. A chance de que novos e mais profundos desafios surjam é grande quando considerada a extensão histórica do conflito (52 anos) e a profundidade atingida durante sua evolução. A porção da população colombiana que não conheceu outra realidade e que teve sua vida e de sua família afetadas direta ou indiretamente pelo conflito é demasiado significativa levando a que as ramificações envolvidas na superação do período histórico violento sejam difíceis de prever na sua totalidade.
Barbara Ellynes Zucchi Nobre Silva é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.
Imagem: Bandeira da Colômbia. By: Guillermo Ossa.