A nova iniciativa francesa para a paz entre israelense e palestinos: por que Israel disse não?
No dia 27 de maio, os ministros das Relações Exteriores de vinte e oito países estavam reunidos em Paris em uma conferência internacional sobre o processo de paz entre Israel e Palestina. O governo francês propôs que as futuras negociações entre os dois lados tenham lugar em um período de tempo limitado, ou seja, com dia e local para acontecer evitando estender por meses e anos um diálogo como tem ocorrido, de acordo com um documento divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da França.
Segundo o documento, os franceses propõem que a meta das discussões que começaram na sexta-feira seja a formulação de parâmetros para um acordo de paz permanente, os quais orientariam todas as negociações diretas no futuro. Ele estabelece que a prioridade é a constituição de dois Estados, um israelense e outro palestino, e que as formas de como esses Estados serão constituídos vão ser decididas numa cúpula internacional compostas por países europeus, árabes e os Estados Unidos. O documento é uma espécie de agenda que representa os pontos de vista apenas da França. Os Estados Unidos e alguns dos outros Estados presentes na reunião já demonstraram desacordo com seções do documento e preferem trabalhar em uma declaração conjunta geral na conclusão da reunião.
O problema é que nem as autoridades israelenses, nem palestinas irão participar do encontro, que é uma reunião preparatória que precede a conferência de paz internacional que os franceses querem realizar no final deste ano, então com a participação dos dois lados.
O documento ainda examina os antecedentes da iniciativa de paz francesa e conclui que o conflito israelo-palestino é a questão-chave no Oriente Médio hoje, apesar dos demais conflitos existentes e a emergência do Estado Islâmico, criando precariedade e insegurança. Acrescenta, além disso, que a solução de dois Estados é ameaçada ao ponto de tornar-se quase impossível, porém o fatalismo não seria uma opção, um empenho internacional é necessário para pôr fim ao conflito.
A França declara que o acordo só pode ser alcançado em negociações diretas entre israelenses e palestinos. No entanto, também afirma que existem grandes diferenças entre as partes e que não houve conversa desde o fracasso da iniciativa de paz americana em abril de 2014. Também não há qualquer indicação, de acordo com o documento, de que as partes vão renovar as negociações, o que aumenta a necessidade de um processo externo que possa levá-los de volta à mesa de negociações.
Por sua vez, o Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, criticou a iniciativa francesa paz no Oriente Médio, bem como os países cujos ministros estavam presentes na conferência em Paris para resolver o impasse diplomático nas relações entre Israel e a Palestina. Netanyahu afirmou que "o caminho para a paz não é através de conferências internacionais que tentam forçar um acordo, que fazem as demandas palestinas mais extremas e o processo de paz mais distante. Se os países reunidos esta semana em Paris realmente querem promover a paz, eles devem se juntar a mim e a Mahmoud Abbas (presidente palestino) para chegar a tais negociações diretas. Esse é o caminho para a paz. Não há outra maneira."
Netanyahu acrescentou que não está deixando os esforços para encontrar maneiras de fazer avançar o processo de paz, incluindo o uso da assistência de outros países da região. "O caminho para a paz é através de negociações diretas e sem condições prévias entre as partes. Isso é como era no passado, quando a paz com o Egito e também com a Jordânia foi alcançada e é assim que tem de ser com os palestinos", disse ele.
Mas por que o atual governo de Israel rejeitou tão fortemente o que era claramente uma oportunidade rara? Tudo que Netanyahu tinha que fazer era concordar com a cúpula, apertar algumas mãos e sorrir para as câmeras, da mesma forma que governantes de Israel têm feito ao longo de mais de uma década de negociações fracassadas. Se a paz é declaradamente uma prioridade na sua agenda política, parece estranho rejeitar uma mão estendida. As negociações podem ser interrompidas mais adiante, mas, publicamente, seria esperado que houvesse ao menos a aparência de que propostas diplomáticas serão consideradas.
Um “sim” israelense poderia ter feito mais pela imagem do país no exterior do que mais de 100 vídeos de diplomacia pública, ajudaria a negar a sua imagem internacional atual e mostraria que Israel pode ser um parceiro disposto a paz. Ou pelo menos, não teria fornecido mais evidências para reforçar a imagem negativa. Agora, o que permanecerá deste episódio será a lembrança de que a França queria organizar uma conferência de paz, os palestinos concordaram em participar e Israel se recusou.
É verdade, a iniciativa francesa é um pouco ambiciosa. O projeto do ex-ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, é idealizado e o seu objetivo declarado é o de quebrar o impasse entre Israel e os palestinos, e promover uma solução de dois Estados, organizando uma cúpula internacional de paz em Paris com mediadores europeus, americanos e árabes.
Considerando-se que a reunião preparatória foi em 30 de maio, sem israelenses ou palestinos, a desconexão global entre a iniciativa e a realidade política da região não é uma surpresa. E com ambos os lados, tanto israelense quanto dos países participantes da reunião, há falta de compromisso, todos têm maiores preocupações imediatas: a crise dos refugiados na Europa, o grupo Estado Islâmico ameaçando a segurança dos Estados árabes e um ano eleitoral nos Estados Unidos.
Ainda, o Netanyahu de 2016 tem considerações mais prementes do que apaziguar os franceses (embora, se esta fosse uma iniciativa dos EUA, ele poderia ter sido forçado a dizer que sim). Muita coisa aconteceu desde 2014: uma guerra em Gaza; uma intifada nascente; uma mudança de extrema direita na política israelense. O próprio Netanyahu articulou a miopia prevalente que domina o discurso político em Israel, quando disse, em outubro passado, que Israel "viveu e sempre viverá pela espada."
Entretanto, a iniciativa francesa em breve poderá revelar-se mais grave no sentido de pressionar Israel às negociações do que inicialmente pensava Netanyahu. E se Paris continuar a avançar com a mesma velocidade e determinação que tem mostrado até agora, ele pode ser forçado a assistir à conferência. Mas em sua composição atual, o governo de Netanyahu teria dificuldade em lidar com tal situação, visto que a coalização atual que governa o país está inclinada a continuar a expansão pelos territórios ocupados da Palestina. Netanyahu terá que demonstrar habilidade ao lidar com o ambiente interno e externo no que tange a atual iniciativa de paz na região, entretanto até agora não houve nenhuma ação de sua parte.
Karina Stange Calandrin é mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.
Imagem: Jerusalém. Por: tek_cat.