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O Brasil e a questão do desarmamento nuclear


Nos dias 31 de março e 1º de abril ocorreu em Washington, nos Estados Unidos, a IV Cúpula sobre Segurança Nuclear. O encontro teve por objetivo promover a visibilidade de tópicos relativos ao tema central do evento e discutir medidas para aumentar a segurança física de materiais e instalações nucleares, sendo que teve destaque a questão do combate ao terrorismo e a necessidade de se impedir que materiais nucleares sejam utilizados em atividades dessa natureza. A representação brasileira ficou sob a responsabilidade do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.


Na ocasião, foi reafirmada a defesa brasileira de não-proliferação, do uso pacífico da energia nuclear e do desarmamento. Esse último ponto foi central no posicionamento do Estado. De fato, Vieira argumentou que não é suficiente focar os esforços de proteção física a programas civis, uma vez que grandes quantidades de material nuclear se encontram nos programas de armas nucleares, que não têm supervisão internacional. Ademais, o ministro defendeu a concepção de que a eliminação total dos dispositivos bélicos nucleares é a única forma de garantir que estes não sejam empregados ou que ameças nesse sentido não sejam possíveis. Esses aspectos constituem o cerne da declaração conjunta "Em maior segurança: olhando adiante", copatricionada pelo Brasil e outros 15 Estados e apresentada na Cúpula.


Nesse documento, clama-se ainda que a possibilidade e o risco de que atores não-estatais obtenham acesso a materiais nucleares demandam que o desarmamento seja acelerado. Por outro lado, os signatários da declaração questionam o comprometimento de alguns Estados com esse movimento e apontam que a contínua existência dos arsenais nucleares, os investimentos em programas de armamentos dessa natureza e a permanência de doutrinas de dissuasão são fontes de grande preocupação internacional.


Pode-se afirmar que a posição brasileira na Cúpula é uma manifestação de uma concepção sobre política nuclear internacional que foi construída durante a segunda metade do século XX e que tem raízes mais profundas relacionadas ao entendimento que se faz da ordem internacional. Isto significa afirmar que a visão brasileira está fundada na percepção de que o ordenamento imposto pelos regimes de não-proliferação é injusto, uma vez que favorece alguns Estados. Assim, o Brasil recusou-se, até o final dos anos 1990, a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) por julgar que se tratava de um mecanismo discriminatório que visava perpetuar a desigualdade de posições entre os poucos Estados que possuíam a arma nuclear e o restante das unidades políticas soberanas, privilegiando os primeiros. Além do mais, o tratado era encarado como uma forma de dificultar o acesso a uma tecnologia importante para o desenvolvimento nacional. Cabe destacar aqui que há divergências entre os especialistas sobre o quanto seria conveniente e positivo para países como o Brasil investir em tecnologia nuclear, existindo aqueles que defendem que seria mais vantajoso buscar o desenvolvimento científico e tecnológico por outras vias.


Embora o Brasil tenha aderido ao TNP, esse descontentamento com uma ordem internacional injusta não desapareceu e pode ser encontrada na questão do desarmamento. Nesse sentido, há a perspectiva de que a pressão para assegurar que dispositivos nucleares bélicos não serão utilizados não deve se restringir ao impedimento que outros países desenvolvam a bomba atômica. Pelo contrário, os compromissos maiores devem ser feitos pelas potências nucleares e isso se dá em termos de redução até eliminação dos arsenais, ou seja, do desarmamento. Há então a argumentação que só assim haveria a impossibilidade de utilização dessas armas.


É interessante notar que essa linha argumentativa apresenta uma utilidade imediata para a diplomacia brasileira. A questão do desarmamento é complexa e envolve interesses muitos distintos, sendo que na maioria das vezes os passos para esse objetivo são tímidos, quão não dúbios. Embora os Estados Unidos e a Rússia tenham reduzido seus arsenais em relação aos anos 1980, os representantes brasileiros costumam salientar que os compromissos assumidos pelas potências nucleares não foram suficientes até o momento. Como consequência, esses Estados não teriam então legitimidade para demandar que outros assumam obrigações ainda mais severas no sentido de salvaguardas de seus materiais nucleares. Esses pontos são centrais à recusa brasileira em assinar o Protocolo Adicional do TNP, postura essa mantida a despeito de grandes pressões internacionais.


Do ponto de vista prático, é possível apontar que a eliminação total desses armamentos é altamente improvável. Além de conferirem aos seus detentores status e grandes capacidades no cenário internacional, haveria sempre a desconfiança de que um Estado poderia não acabar com a totalidade de seu arsenal, colocando-o em uma posição ímpar nas relações internacionais. Existe ainda a questão de que o conhecimento científico para a produção de novas armas ainda estaria disponível e esta seria sempre uma possibilidade. Desenha-se assim um quadro de posições diferentes. Embora a maioria dos Estados se coloque favoravelmente ao desarmamento, é difícil que as potências nucleares abram mão de suas prerrogativas de forma total. Por outro lado, a posição brasileira encontra eco em outros Estados, principalmente aqueles do denominado Sul global. Esse jogo de interesses não apresenta resolução fácil, existindo o perigo de que impasses impeçam outros entendimentos no contexto do regime de não-proliferação nuclear. Ou seja, a questão é que um objetivo de caráter tão total pode dificultar negociações e tornar difícil que ações menores sejam consideradas positivas, gerando um fator de descrença em relação ao próprio regime.


Não se pretende aqui afirmar que a posição brasileira não seja legítima ou que a quase inexistente probabilidade de um desarmamento total signifique que não devam existir esforços nesse sentido, pelo contrário. Ademais, o governo brasileiro busca evitar que seu posicionamento seja percebido como ingênuo, sendo que se pode afirmar que a postura dos representantes estatais busca enfatizar as contradições da ordem mundial e do regime de não-proliferação. Cabe ressaltar que a crítica de outros Estados à falta de vontade política das potências nucleares no que se refere ao desarmamento ajuda a corroborar esse ponto, sendo relevante lembrar que, em geral, nem mesmo os detentores de armamentos nucleares se colocam explicitamente como opositores da noção de desarmamento. De qualquer forma, há sempre de se considerar os diversos interesses e motivações subjacentes que estão presentes, bem como a dificuldade de se trabalhar com objetivos absolutos. A questão nuclear é por si mesma sensível e o desafio, para todos, é mostrar que existe real comprometimento para além de um discurso de boas intenções.


Luiza Elena Januário é mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.

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