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O acordo UE-Turquia para a crise migratória: direitos humanos e segurança em questão



Frente àquela que já é considerada a maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial, a União Europeia (UE) vem sendo desafiada a lidar com o enorme fluxo de refugiados que se deslocam rumo ao norte da Europa, partindo, sobretudo, da Síria, Iraque e Afeganistão. Desde 2014, mais de um milhão de pessoas que fogem dos conflitos nesses países entraram no continente passando pelo caminho conhecido como Rota Balcânica, que inclui Turquia, Grécia, Macedônia, Sérvia, Hungria, Croácia e Eslovênia, com o objetivo de chegar à Alemanha ou à Áustria.


Com a finalidade de buscar uma “solução sustentável” ao impasse nas negociações sobre o destino dos migrantes, a UE iniciou neste 7 de março uma cúpula extraordinária em Bruxelas. Na ocasião, a Turquia – que não faz parte do bloco, mas é um dos países fundamentais à discussão, uma vez que é a porta de entrada dos refugiados ao continente europeu – apresentou uma lista de condições para ajudar a conter o fluxo migratório, para surpresa dos países membros, os quais não esperavam por novas exigências, já que em novembro de 2015 a UE havia se comprometido a enviar 3 bilhões de euros para ajudar a abrigar os refugiados na Turquia.


A primeira exigência inclui dobrar para 6 bilhões de euros a ajuda oferecida aos refugiados instalados em território turco, que somam 2,6 milhões de pessoas. Além disso, o plano apresentado consiste em que a Turquia reconduza ao seu território todos os migrantes e refugiados apanhados fazendo a travessia pelas ilhas gregas “ilegalmente” e que, para cada refugiado sírio reconduzido, a UE se comprometa a assentar em um de seus países outro refugiado que já esteja vivendo em um dos campos turcos. Por fim, Ancara exige que a UE facilite a emissão de vistos de turismo para cidadãos turcos e a entrada da Turquia no bloco.


A “troca” de refugiados, considerada um avanço pela chanceler alemã, Angela Merkel, também foi bem vista pela Comissão Europeia, a qual, na fala de seu presidente em exercício, Jean-Claude Juncker, justificou a legalidade do acordo afirmando o direito de um país de desconsiderar solicitações de refúgio caso o local de origem do imigrante seja uma “nação segura”, ou seja, onde não estejam correndo risco de morte por guerra ou perseguição de qualquer natureza. De acordo com essa visão, portanto, o reenvio de migrantes da Grécia à Turquia estaria em conformidade com as normas da UE.


Na quarta-feira após a cúpula, 8 de março, a Rota dos Bálcãs foi fechada depois que Eslovênia, Croácia, Sérvia e Macedônia decidiram não permitir mais a passagem de refugiados por seu território. A situação mais dramática é na fronteira entre Macedônia e Grécia, onde cerca de 10 mil pessoas estão mantidas em condições precárias, sem previsão de quando ou para onde poderão seguir viagem. A única certeza é que não poderão voltar à “segurança da Turquia”, pois o novo acordo não inclui os migrantes que já estão em solo grego.


A questão que se destaca nesse contexto é que, entre conter o fluxo de refugiados e organizar seu deslocamento em terras europeias, optou-se por estancar o “problema” providenciando-se seu retorno a um “local seguro”. No entanto, é razoável questionarmos sobre qual perspectiva de segurança essa decisão é tomada. Para quem e contra quem (ou o quê) se está garantindo segurança?


Cabe lembrar, como fora denunciado por diversas Organizações Internacionais e Não-Governamentais, que há relatos de refugiados sírios sendo enviados de volta à Síria ou baleados ao tentarem cruzar a fronteira com a Turquia. Desse modo, considerá-la uma nação segura é, no mínimo, questionável. Ademais, a expulsão em massa de estrangeiros “viola seu direito de proteção, garantido pelas leis europeia e internacional”, segundo Vincent Cochetel, representante da Agência da ONU para refugiados (ACNUR).


Dada a complexidade da situação, é compreensível a dificuldade em se estabelecer um acordo razoavelmente satisfatório, tanto da perspectiva de quem formula e toma as decisões políticas – no caso, a UE – quanto daqueles que sofrerão mais diretamente suas consequências, a saber, os próprios refugiados. Entretanto, o acordo evidencia pontos de desarticulação das negociações no continente europeu, em matéria de política migratória; a Hungria, por exemplo, já anunciou que não aceitará ser incluída no plano.


Trata-se de um momento em que duas questões sensíveis como a segurança e os direitos humanos se chocam e afetam diretamente a sobrevivência de milhares de pessoas. Neste ínterim, o jogo político continua. Resta agora observar se a UE está mais disposta a acolher refugiados de diversos países primeiro ou receber um país repleto deles como um de seus membros. Seja qual for, a decisão deverá levar em conta uma série de fatores: o risco de instabilidade em uma Grécia saturada – em termos de população refugiada – e em crise econômica; uma possível fragmentação no bloco, considerando-se as críticas contra as frequentes violações à liberdade de imprensa na Turquia; e as divergências entre esta e Chipre, membro da UE que já se manifestou contra a adesão de Ancara ao bloco, a menos que a capital turca o reconheça como país soberano. Dessa perspectiva, a solução para a questão migratória parece estar mais distante do que quando o acordo foi proposto.


Mayra do Prado é mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.


Imagem: European Union Flag. By Yanni Koutsomitis.

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