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A Política de Drogas da Argentina: uma nova opção de combate ou um retrocesso em curso?

Em apenas dois meses de governo o presidente de centro-direita recém-eleito, Mauricio Macri, inicia um processo de mudanças na Argentina, tanto nos assuntos domésticos, quanto na política externa. Essas mudanças vêm causando repercussões entre grupos políticos, a população e a mídia, como é o caso da nova política de drogas em curso.


Macri foi eleito em 22 de novembro de 2015, após um segundo turno disputado com Daniel Scioli, candidato apoiado pela, então presidente, Cristina Kirchner (2007-2015). O presidente propôs diversas medidas, entre elas: diminuir a inflação no país e retomar as relações com os Estados Unidos e Europa, rompendo com o que considera um “isolamento” da política externa durante os governos Kirchner. Ele também, declarou seu interesse em combater o narcotráfico e o crime organizado na Argentina.


Em um discurso proferido momentos depois da divulgação do resultado das urnas, que o declararam como presidente da Argentina para os próximos quatro anos, Macri já afirmou sua preocupação com o narcotráfico, assinalando que o combate deste seria uma das prioridades de seu governo. Além disso, o presidente, em sua primeira entrevista para jornais estrangeiros, culpou o governo anterior por não agir contra o tráfico de drogas, o que teria permitido que este se espalhasse por todo o país.


Esta nova política em relação ao tráfico de drogas não ficou apenas no discurso. Em 19 de janeiro o presidente declarou estado de emergência de segurança pública em todo o país durante um ano. O decreto protocolado por Macri, sem consenso político e nem controle parlamentar, tem como algumas de suas medidas a autorização da derrubada de pequenos aviões não identificados no ar e a permissão de que o Exército entre nas favelas e bairros considerados dominados pelo crime organizado.


A “lei da derrubada”, como foi denominada, permite que aviões militares disparem e derrubem aeronaves que estiverem no espaço aéreo argentino sem identificação e forem consideradas suspeitas. Esta medida, que possui uma similar no Brasil – a Lei do Abate de 2004 -, foi considerada ilegal por grupos de esquerda, os quais afirmam que a mesma é uma sentença de morte sem julgamento.


Além deste decreto de caráter doméstico, o governo argentino vem trabalhando para aumentar a cooperação regional para o combate ao tráfico de drogas. Através do subsecretário de Luta Contra o Narcotráfico, Martin Verrier, o governo se fez presente na Reunião Internacional sobre Lavagem de Ativos Provenientes do Narcotráfico, realizada na primeira semana de fevereiro no Paraguai. Além disso, a vice-presidente da Argentina, Gabriela Michetti, participou de uma reunião com o vice-presidente brasileiro, Michel Temer, no dia 23 de fevereiro, onde defendeu a criação de uma agência de inteligência latino-americana, que contribuiria para a circulação de informações entre os países do Mercosul no que se refere ao narcotráfico, assim como, de um tribunal penal na região, a fim de julgar os crimes fronteiriços.


Estas medidas aplicadas por Macri para combater o narcotráfico no país, que envolvem a participação das Forças Armadas, significam um retrocesso na maneira em que o governo lida com o problema das drogas. A adoção destas políticas repressivas remete a fracassada “guerra” às drogas nas Américas, em que a ação violenta atinge os consumidores e pequenos vendedores, permitindo o fortalecimento e crescimento das grandes organizações narcotraficantes. Em um país que vem se constituindo como importante mercado consumidor regional, além de ser um país de trânsito para a cocaína produzida nos Andes e que tem como destino final a Europa, estas ações podem ter um efeito devastador, como o aumento da criminalização dos usuários e consequente encarceramento em massa.


Somando-se a isso, o decreto assinado por Macri confronta a Lei de Defesa Nacional estabelecida em 1988. Esta lei garantiu a separação entre as questões de defesa com as de segurança interna, definindo as Forças Armadas argentinas como um instrumento militar de defesa nacional, portanto, sem a prerrogativa de atuarem como corpo policial.


Além disso, cabe assinalar que a mudança promovida pelo governo argentino com relação ao problema das drogas vai contra algumas políticas alternativas que têm sido observadas na América Latina. Diversos países abrem debates para a flexibilização de suas políticas repressivas, discutindo os benefícios da despenalização e até da legalização de certas substâncias psicoativas. Situação observada no México, aonde se chegou a discutir uma proposta de legalização do uso recreativo da maconha, e na Colômbia, onde o próprio presidente, Juan Manuel Santos, admitiu a ineficácia da “guerra” às drogas empreendida há décadas no país.


E enquanto posições mais concretas de contestação são observadas nos vizinhos Uruguai, que em 2013 legalizou a produção, o consumo e o comércio de maconha sob o controle do Estado, e Bolívia, com o governo de Evo Morales, que apoia o cultivo e consumo da folha de coca, a Argentina se endurece internamente, freando um processo, necessário, de superação do atual regime internacional proibicionista sobre drogas.


Helena Salim de Castro é mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.

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