Referendo na Ossétia do Sul e protestos na Sérvia: Estamos de volta ao passado?
Na semana passada, o líder da Ossétia do Sul (considerado presidente pela própria Ossétia e pelos pouquíssimos países que a reconhecem como Estado independente) anunciou que trabalharia para a constituição de um referendo dentro de um ano para passar a fazer parte da Rússia. Em seu discurso diante do parlamento, Leonid Tibilov declarou estar preocupado “com a piora da situação no mundo, eventos na Ucrânia, Síria e o Oriente Médio inteiro assim como o movimento da OTAN em direção às fronteiras russas e também com a retórica militarista anti-Rússia e anti-Ossétia de nossos vizinhos ao sul”. Por vizinhos, Tibilov faz uma clara referência à Geórgia, da qual a região declarou independência ainda em 1990 e que foi palco de um conflito que em 2008 envolveu Rússia e EUA pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, quando as proxy wars entre as duas superpotências eram frequentes. Além da Rússia, que apoiou a Ossétia na ocasião, apenas Venezuela, Nicarágua e algumas poucas ilhas do Pacífico reconheceram a independência da região em relação à Geórgia.
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Também na semana passada, centenas de nacionalistas sérvios protestaram contra um acordo do governo de seu país com a OTAN. Talvez, à primeira vista, o fato não seja tão surpreendente, uma vez que a Sérvia foi intensamente bombardeada pela aliança no final dos anos 1990. Afinal, ainda que a ação tenha sido uma resposta à violenta repressão do regime sérvio sob as mãos de ferro de Slobodan Milosevic ao Kosovo, quem sofreu com a intervenção, como sempre ocorre, foi o povo. Mas nesse caso, o que chama a atenção é que os manifestantes carregavam cartazes de Vladmir Putin em trajes militares enquanto abanavam bandeiras russas. Alguns cartazes chegavam a estampar “Putin para presidente” e “Medvedev para primeiro-ministro”. Embora a sérvia não tenha feito parte do bloco soviético, possui laços históricos com a Rússia, especialmente por suas origens eslavas. Os protestos também foram motivados pela morte de dois diplomatas sérvios, que estavam presos como reféns na Líbia, durante um ataque aéreo dos EUA.
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Seja no Cáucaso ou nos Balcãs, o que estes dois eventos, extremamente pouco noticiados pela mídia ocidental, possuem em comum é seu apelo à Rússia. Em tempos em que se fala em uma segunda Guerra Fria e com a anexação da Criméia pelo Kremlin como um evento ainda recente na memória da opinião pública internacional, movimentos anti-Ocidente e pró-Rússia em sua antiga zona de influência soam um alerta: estamos voltando no tempo?
É inegável que a Rússia recuperou parte significativa de seu poder e status internacional. No início dos anos 1990, o país foi de superpotência concorrente dos EUA a um Estado sucateado, envolvido em corrupção, extremamente descentralizado e aparentemente sem grandes pretensões no âmbito global. Uma década depois, o ano de 2000 parece ter sido um ponto de inflexão na história russa: Putin assume e toma diversas medidas que permitem à Rússia se recuperar economicamente e repensar seu destino internacional. Até poucos anos atrás, o debate entre os especialistas era se Moscou pretendia ser uma liderança regional ou se o país teria aspirações de retomar seu status global. Atualmente, as ações russas parecem sinalizar para a segunda opção, sendo a primeira apenas algo óbvio para os formuladores do Kremlin.
É nesse contexto que se explicam os apelos à Rússia de parte da população de Estados que outrora conformaram sua esfera de influência. Moscou aparece para esses grupos como uma alternativa, como um Estado forte capaz de gerenciar o incêndio mundial dos últimos anos melhor do que os EUA, seus aliados e suas instituições têm feito – ainda que a própria Rússia contribua para espraiar as chamas.
Evidentemente, esses grupos são muito pequenos e representam setores específicos de sociedades particulares, com seus interesses próprios. De fato, dificilmente estamos presenciando um retorno ao passado (a Sérvia mesmo é candidata a membro da União Europeia). De qualquer forma, é interessante observar o sentimento que a busca russa pela retomada de sua posição enquanto player importante do sistema internacional tem despertado. O acirramento da divisão entre dois mundos, o Ocidente e a Rússia, parece ser um deles. Porém, é preciso ter em mente a pluralidade de atores e de posicionamentos que compõem a comunidade global contemporânea, sob o risco de cairmos no discurso de uma pretensa nova Guerra Fria.
Bruna Bosi Moreira é mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.