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Impeachment: de volta ao passado?

A deflagração do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff ressuscita o fantasma do golpismo que muitos julgavam sepultado. A deposição em 2012 do presidente Fernando Lugo no Paraguai em processo de impeachment relâmpago, representou o ressurgimento de uma insidiosa narrativa que acompanha os países sul-americanos desde os processos de independência no século XIX e agora travestida sob o manto do “golpe legal”. No lugar das fardas reluzentes, uma oposição premida pela ressaca das urnas e, a frente do pelotão, políticos profissionais. No Brasil o processo transcorreu sob a égide da chantagem explicita, conduzido por um personagem longevo nos meandros da política nacional.


A frágil base jurídica invocada por Eduardo Cunha ao aceitar a tramitação do processo de impeachment contra Rousseff, imputando como crime de responsabilidade as denominadas “pedaladas fiscais”, reflete a debilidade da ainda jovem democracia brasileira. Pareceres de respeitáveis juristas, como Fábio Konder Comparato, Celso Antônio Bandeira de Mello e Dalmo Dallari, demonstram a inconsistência do pedido de impeachment contra a presidente e conferem ao mesmo características inequívocas de golpe em relação ao resultado da eleição presidencial de 2014.


A par das consequências desastrosas que o processo de impeachment provoca na conjuntura política e econômica do país, cabe refletir quanto a suas consequências sobre a estabilidade democrática na América do Sul.


A conjuntura econômica de crise não pode justificar o pedido de impeachment em regimes presidencialistas. Ao se criar um “fato” (pedaladas) que não condiz com o que o ordenamento jurídico exige para se processar o Presidente da República, abre-se um precedente que pode ser utilizado em outros países da região. O argumento para se iniciar o processo deve ser consistente e não pode estar condicionado a interesses particulares ou ser utilizado como atalho para a oposição chegar ao poder, como ocorreu com a deposição de Fernando Lugo.


A forte polarização nos processos eleitorais que elegeram Dilma Rousseff e Mauricio Macri na Argentina, encontra ressonância distinta em ambos países. No Brasil, o candidato derrotado questionou o processo eleitoral e levou a oposição a um embate inconsequente premido por “pautas bomba” e apoio incondicional a Eduardo Cunha. Na Argentina, não houve por parte do candidato governista Daniel Scioli nenhum questionamento sobre a vitória do adversário.


A deflagração do processo de impeachment como atalho para se alcançar o poder, apequena a posição do Brasil como Estado comprometido com a democracia e o respeito aos resultados das urnas e envia uma mensagem desalentadora para a região: a de que o golpe com verniz democrático faz parte da regra do jogo.


Para uma região que viveu entre as décadas de 1960 e 1980 sob a égide de regimes de exceção, a tentativa de apear do poder governantes legitimados pelo voto com base em argumentos frágeis, reedita sob nova roupagem o caráter autoritário de grande parte das nossas elites políticas e aponta o imenso caminho a trilhar até nos livrarmos do fantasma do golpismo como meio para ascensão ao poder.


José Augusto Zague é doutorando em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisador do GEDES.

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