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Nova geração de operações de paz da ONU?

Em 17 de setembro de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) celebrou oficialmente os 70 anos de existência com a abertura da sessão ordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) e com a inauguração de uma importante e extensa agenda de debates para futuras recomendações e deliberações: a reforma do Conselho de Segurança (CSNU), o balanço final das Metas do Milênio e as oportunas medidas a serem tomadas a partir do relatório do Painel Independente de Alto Nível das Operações de Manutenção de Paz das Nações Unidas, publicado em 16 de junho de 2015.


Esse recente documento continua o ciclo de disposições normativas sobre as operações de paz, inaugurada com “Uma Agenda para a Paz” (1992), prosseguindo com “Suplemento de Uma Agenda para a Paz” (1995) e “Relatório Brahimi” (2000).


As operações de manutenção de paz das Nações Unidas podem ser entendidas como mecanismos de diversas vertentes - militar, policial e civil - trabalhando juntas para ajudar a estabelecer as bases para uma paz sustentável em diversas dimensões de conflitos: entre dois Estados e no interior de um território, conhecidos como conflitos intraestatais e guerras civis, tal como assinalado na Doutrina Capstone em 2008.


Em 1956, após extenso debate, foram definidos os princípios do envio da primeira operação de paz (UNEF) para solucionar a crise do Canal de Suez: consentimento das partes, imparcialidade e uso limitado da força. Tais princípios ainda estão a nortear a atuação das operações de paz, uma vez que tal registro permanece no relatório do Painel de 2015. Por outro lado, há no documento novidades, tais como: os diferentes desafios dos conflitos contemporâneos e os procedimentos que a Organização deverá colocar em prática.


Composto por especialistas no assunto, o Painel assinalou a diferença dos confrontos armados da atualidade daqueles que foram monitorados nos anos 1990. Nessa avaliação, os novos conflitos afloraram em decorrência do extremismo coercitivo de grupos armados, vitimando milhares de civis. Como exemplo, registraram-se os dados de aumento do abuso e violência sexual praticado contra mulheres; bem como o recrutamento compulsório de crianças e adolescentes por milícias na África (parágrafos 8 e 9).


Assim, esse mecanismo de solução pacífica de controvérsias, com 16 operações em andamento, continua relevante e despende em torno de nove bilhões de dólares anuais do orçamento da ONU. Parte do incremento com os gastos deve-se ao efetivo de militares e policiais que triplicou desde 2000, passando de 34 mil para 106 mil integrantes (parágrafo 20). Ademais, as operações de paz contemporâneas passam três vezes mais tempo em campo do que as anteriores (anos 1990).


Em termos de novas abordagens e formas de atuação, destaca-se do relatório (2015) que os novos conflitos exigem: (1) soluções políticas para a paz, além da presença militar e assistência técnica aos projetos de recuperação das sociedades pós-conflito; (2) capacitar o escopo da missão com a natureza do conflito, além de distinguir operações de paz de missões políticas para a negociação; (3) fortalecer parcerias com atores regionais e ter a disposição um sistema ONU mais integrado para a prevenção de conflito e manutenção da paz; (4) a Secretaria Geral da ONU precisa estar mais atenta às necessidades do conflito e as operações de paz devem estar mais orientadas a proteção de civis.


Ainda que as novas abordagens atenham-se ao fortalecimento de parcerias com atores regionais para prevenir conflitos, como podem ser citados a União Africana (UA), a Liga dos Estados Árabes (LEA) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), não há um conjunto sistematizado de ações a perseguir recomendado pelo Painel. Logo, compreende-se que essa esfera de atuação política dificilmente será utilizada para a prevenção de hostilidades e provavelmente estará alicerçada na contemporânea experiência de tropas conjuntas, tal como é o caso da UNAMID, em Darfur, com composição de tropas de paz da ONU e UA.


Outra interessante experiência observada é a presença de missões políticas da ONU que assistem países que passaram por conflitos e buscam otimizar a tentativa de não deflagrar novos confrontos armados. Em parte, muitos desses países receberam operações de paz e estão monitorados pelas missões políticas do Departamento de Operações de Paz (DPKO) ou pela Comissão de Peacebuilding (PBC): Burundi, Guiné, Guiné-Bissau, Serra Leoa, República Centro-Africana, Libéria, etc... sendo que grande parte da assistência oferecida é para orientar na profissionalização de instituições locais, como parte das atividades de peacebuilding.


Todavia, o norteamento desse novo documento pode inaugurar uma fase que possibilite novos mandatos aprovados, respaldados no imperativo da segurança humana, mas camuflando interesses de seguir estancando conflitos e imperando com a paz negativa, uma vez formulado por Johan Galtung em 1964. Caso essa seja a limitação da ONU e de seus Estados membros, dificilmente o que se determina a partir de documentos e discussões diplomáticas proporcionarão soluções satisfatórias que vislumbrem auxiliar as autoridades locais de países em conflito ao rumo da plena autonomia. Os próximos anos serão interessantes para observar para quais países e regiões geográficas as operações de paz serão enviadas e, em certa medida, o que isso poderá estar relacionado com a agenda de combate ao terrorismo.


Vanessa Braga Matijascic é professora de Relações Internacionais na FAAP. Pesquisadora do GEDES e doutora e mestre pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP). Contato: vanessa.matijascic@gmail.com.

Parte desse texto foi publicado no blog Rede de Pesquisa em Paz, Conflitos e Estudos Críticos de Segurança. O mesmo texto está disponível no site Mundorama.

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