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A vitória da oposição nas eleições legislativas venezuelanas: ponto de inflexão na Defesa?

No dia de 6 de dezembro de 2015 ocorreram as eleições legislativas na Venezuela que culminaram com a obtenção da maioria parlamentar pela oposição. Essa situação é um ponto de inflexão para o governo bolivariano que até então havia mantido sua predominância no Congresso e que não havia perdido eleições, com a exceção de um referendo para a realização de modificações constitucionais. A vitória da oposição deixou evidente o enfraquecimento do movimento bolivariano e os primeiros sinais para uma possível alternância de poder em breve. Após a derrota, o governo de Nicolás Maduro anunciou a realização de reformas no governo nacional, com a retirada de militares de cargos da administração pública e seu retorno aos quartéis, anunciado pelo presidente durante as saudações de final de ano às Forças Armadas em 12 de dezembro. De acordo com o discurso de Maduro, apenas permanecerão no governo os militares que ocupam postos chave.


Sem deixar de reconhecer os avanços sociais que foram conquistados pela população venezuelana durante o período Chávez, é necessário pontuar que o projeto bolivariano continha graves problemas constitutivos, entre os quais a militarização que ocorreu principalmente após a tentativa de golpe de Estado em 2002. Chávez enfatizava a necessidade de que a “revolução socialista do século XXI” apoiasse e garantisse sua sustentabilidade a partir da união cívico-militar e do apoio dos militares ao “governo revolucionário”. Nessa lógica, as Forças Armadas teriam a missão de defender, contra ameaças internas e externas, o movimento social que chegara ao poder. De acordo com o raciocínio de Chávez, a revolução apenas poderia ser garantida com o apoio total dos militares. A lógica militar era, assim, um componente central do governo do Comandante Chávez.


As eleições legislativas mostraram que o governo de Maduro perdeu também o apoio de parte do estamento militar e é nesse quadro que parece ter ocorrido a decisão de afastar os militares de cargos de administração pública. A decisão de retirar alguns militares de cargos administrativos mostra-se promissora e pode ter resultados favoráveis no longo prazo se mantida e aprofundada, tendo em vista os riscos que advém da falta de condução política da Defesa e da indistinção entre segurança pública e defesa nacional. A presença das Forças Armadas no governo é problemática, uma vez que os militares tem uma lógica própria, diferente daquela da política. Ademais, a indistinção entre esgurança interna e defesa tende a gerar aumento da violência estatal, já que a doutrina militar intrinsicamente contém o propósito de aniquilação do inimigo. Essa situação tende a gerar violência desproporcional do Estado contra a população civil, inclusive porque a Força Armada Nacional da Venezuela – composta pela Marinha, Exército, Aeronáutica e Milícia Bolivariana – responsabiliza-se também pela segurança interna. A decisão de Maduro não significou uma desmilitarização do governo pois o presidente tem a intenção de manter militares em cargos-chave, assim como defende a revitalização da união cívico-militar.


Ademais, o governo reiterou a narrativa confrontacionista que separa o “povo” e a “pátria” dos elementos contrários ao estamento popular, definidos como “oligárquicos” e “anti-pátria”, em uma narrativa binária que questiona a legitimidade da oposição. Não se trata aqui de defender a oposição venezuelana – a qual também possui tendências autoritárias e já posicionou-se com atitudes golpistas. Contudo, um processo que se sustenta na narrativa confrontacionista e na identificação da oposição como “inimigo” mostra a perda de capacidade de diálogo, necessária à democracia. A narrativa de dois polos opostos um que representaria o “povo” e o outro a “oligarquia” pode ter sido útil em dar voz e em empoderar uma parcela da população que se encontrava sub-representada. Contudo, a democracia exige atender à decisão popular representada pelo voto e o reconhecimento da legitimidade do ponto de vista do outro. Por fim, é necessário reconhecer que o governo Chávez produziu importantes avanços populares, mas continha intrinsecamente uma lógica autoritária e contraditória, o que leva atualmente a seu claro esgotamento. É necessário cautela para que a mudança necessária não signifique a perda dos resultados alcançados e muito menos a intensificação da lógica autoritária, presente também em segmentos da oposição.


Lívia Peres Milani é mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.

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