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Trinta anos da tomada do Palácio da Justiça

Trinta anos atrás o começo do mês de novembro marcou o início de um processo de assimilação para a maioria dos colombianos que só começou a ter uma resposta em 2010, mais de 20 anos depois.


Os dias 06 e 07 de novembro de 1985 marcaram de tal forma a história do país que, durante o período em que começaram os processos judiciais de alguns de seus participantes, chegou a ser considerado o 11 de setembro colombiano e classificado, talvez erroneamente devido à desconsideração da origem da palavra, o holocausto colombiano.


Durante cerca de 30 horas o grupo guerrilheiro Movimento 19 de abril (M-19) consolidou sua reputação de envolvimento em consideráveis atos de violência em combates com as Forças Armadas colombianas ao invadir, resistir e manter a ocupação do Palácio da Justiça, o equivalente no Brasil ao Supremo Tribunal Federal.


Desde o início do seu governo, o ex-presidente Belisario Betancur buscava estabelecer negociações com os grupos guerrilheiros atuantes no país e em 1984 havia conseguido estabelecer um acordo de cessar-fogo com a guerrilha M-19. Entretanto, antes do ataque, o grupo passou a denunciar violações dos pontos acordados por parte do governo e iniciou processos de retaliação às ações do mandatário. Durante as horas de combate, a guerrilha apresentava entre suas demandas a exigência de julgamento das ações e do próprio presidente por um tribunal judiciário.


Além das disputas políticas relativas ao processo de negociação com as guerrilhas, a Suprema Corte colombiana também se encontrava sob pressão, pois julgava a constitucionalidade do acordo de extradição de narcotraficantes que o país havia assinado com os EUA.


Em meados de outubro de 1985 foi revelado, por diversas fontes de mídia colombianas, que haviam sido encontrados planos do M-19 para invasão do Palácio da Justiça, incluindo informações detalhadas sobre o edifício. Entretanto, poucos dias antes do ataque a força policial, que havia sido reforçada nas imediações, foi minimizada para apenas dois seguranças.


À época a polícia afirmou que a ordem para diminuição da presença da polícia havia sido dada pelo então presidente da Suprema Corte, Alfonso Reyes, entretanto posteriormente seu filho afirmou que o pai não estaria nem na cidade no momento em que afirmam que teria dado a ordem.


Quando invadiram o Palácio da Justiça, os guerrilheiros mataram os dois seguranças que estavam no prédio e rapidamente tomaram controle do edifício e de todos que estavam presentes (cerca de 300 reféns, entre juízes da Suprema Corte, funcionários e visitante). Porém, poucas horas depois, a Força Pública deu início às ações de combate que visavam retomar o controle do prédio.


Com uma grande força de combate contando, entre outros equipamentos, com dezenas de tanques de guerra, alguns dos quais chegaram a entrar no prédio do Palácio, as forças do governo colombiano iniciaram o combate sem conhecer exatamente qual o poderio dos guerrilheiros que haviam invadido o prédio.


Durante o confronto, o presidente da Suprema Corte chegou a estabelecer contato com uma rádio do país e solicitou, por telefone, que o presidente Betancur determinasse o cessar-fogo, visando minimizar as baixas de ambos os lados, e acusou ao presidente de não atender suas ligações para que pudessem conversar diretamente. O presidente não deu tal ordem, o que possibilitou que os embates diretos entre ambas forças prosseguissem até a total invasão do prédio por parte da Força Pública.


O saldo dos combates deixou cerca de 100 pessoas mortas, entre elas todos os juízes da Suprema Corte e boa parte dos membros da guerrilha que participaram da invasão, e pouco mais de uma dezena de desaparecidos, entre alguns membros da guerrilha que não foram mortos e funcionários do Palácio da Justiça cujo último registro existente com vida está nas suas imagens sendo retirados do prédio por membros da força policial.


Quatro anos depois dos ataques, em fins de 1989 e início do ano de 1990, o M-19 assinou o acordo com o governo de Virgílio Barco Vargas que determinou a entrega das armas do grupo e gerou sua transformação em partido político. A culminação desse processo deu-se quando da realização da constituinte responsável pela Constituição Colombiana de 1991 contou com grande presença de representantes do grupo.


Segundo Gustavo Petro, ex-membro da guerrilha M-19 que estava preso durante o ataque ao Palácio da Justiça, ex-candidato à presidência e atual prefeito de Bogotá, a forma como os políticos da época lidaram com todo o contexto nacional teria apenas retardado a necessidade do estabelecimento de uma constituinte, na qual estiveram presentes ideias do grupo guerrilheiro, do contrário, tal processo político poderia ter se dado já naquele momento, o que poderia ter evitado os desdobramentos violentos.


Pautados principalmente nessas imagens, apenas na primeira década dos anos 2000 familiares e defensores dos desaparecidos conseguiram iniciar um processo contra os responsáveis da Força Pública pela retomada do Palácio da Justiça que teriam mantido a guarda dessas pessoas em seus últimos momentos de vida. Os restos mortais de menos da metade dos desaparecidos, que foram encontrados recentemente, também formaram parte do processo.


Em 2010 o coronel Alfonso Plazas Vega foi considerado culpado pelo desaparecimento das vítimas da retomada do Palácio da Justiça e condenado à reclusão. Em sua defesa, o militar apresenta outra interpretação do momento histórico do qual fez parte, afirmando que agiu em defesa da democracia e do direito colombiano contra aqueles que atacavam suas instituições.


Em 2014 o Estado colombiano foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por suas ações e gestões durante os dois dias de confronto. Como repercussão, além das detenções de militares envolvidos no comando das operações de retomada do Palácio da Justiça, durante as comemorações dos 30 anos do evento, em 6 de novembro de 2015, o presidente Juan Manuel Santos pediu perdão pelos excessos cometidos pelas forças do governo em 1985 e pela falta de esclarecimento sobre o ocorrido. Poucos dias depois, a justiça colombiana começou a cogitar a revisão da anistia concedida aos ex-membros do M-19, concedida quando da sua desmobilização em 1990, baseada no argumento de que é preciso analisar se tal imunidade abarcaria os crimes cometidos durante a invasão do Palácio da Justiça, naquele período. Caso essa determinação siga adiante, as decisões da corte colombiana podem afetar o atual prefeito de Bogotá, Gustavo Petro, e o senador Antonio Navarro.


Bárbara Ellynes Zucchi Nobre Silva é mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.

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