Buenos Aires, 22 de novembro de 2015.
Na noite de domingo, 22, a maioria dos eleitores que compareceram às urnas elegeu Maurício Macri presidente da Argentina, para o exercício 2016-2019. Foi um momento de vários inéditos. Pela primeira vez em 99 anos um presidente eleito não será nem peronista nem radical. Pela primeira vez, ele foi eleito em um segundo turno disputado de fato. E, mais importante, pela primeira vez a direita chega ao poder através dos votos e sem o nefasto ruído das botas a marchar.
O segundo turno da eleição foi marcado pela agudização da polarização que tem marcado a política argentina nos últimos anos. Depois do resultado aquém do esperado no primeiro turno, a maior parte do peronismo e setores sociais que não haviam se engajado na campanha participaram ativamente na defesa da candidatura de Scioli. Nas últimas semanas, as ruas de Buenos Aires – que permaneceram quase intactas até o 25 de outubro – ficaram apinhadas de mensagens buscando reforçar as contradições de Macri e relacionar sua candidatura com a desastrosa experiência neoliberal timoneada por Carlos Menem, entre 1989 e 1999, que terminou com a debacle de 2001.
Enquanto isso, Macri manteve uma postura tranquila, consoante com a cartilha de imagem que vem adotando desde o começo da campanha. Ex-presidente do Boca Juniors, o homem que vai governar a Argentina nos próximos quatro anos entende o valor da imagem e do marketing. Jamais mostra-se irritado: quando algo parece contrariá-lo, seu rosto assume uma expressão que cuidadosamente combina inquietação e um olhar entre o pedagógico e o esperançoso, como se dissesse “essa briga não me interessa, interessam-me as soluções”. Porta-se como um líder de equipe, cioso da técnica, da racionalidade e tecnocracia. Em sua campanha, a publicidade concentrava-se em mostrá-lo ouvindo as pessoas – em clara tentativa de opô-lo à verborragia de Cristina Kirchner. Não obstante, recusa o rótulo de neoliberal – apesar da evidente contradição. No debate – que apesar do nome foi uma conversa de surdos – Scioli manteve uma postura combativa, que destoa do seu habitual, enfatizando os riscos de retrocesso social que a vitória de seu adversário poderia significar; já Macri recorria ao lugar comum de dizer “essa gente é má” e falar de “esperança” e “sonhos de mudança”.
Esses tons se refletiram no momento da apuração. Na Praça de Maio – o “templo” do peronismo – os militantes do movimento buscavam manter acesa a esperança de vitória. Os números, porém, solaparam o entusiasmo, ao mostrar uma consistente imposição de Macri sobre Scioli. O ânimo geral mudou. Em vez de vitória, “resistência” passou a ser o vocábulo mais frequente. Na esquina da Avenida de Maio com Bolívar, uma pichação vaticinava: “Macri, prepare o helicóptero”, em alusão ao ex-presidente radical, Fernando de la Rúa, que renunciou em dezembro de 2001 e deixou a Casa Rosada de helicóptero.
Já no Obelisco, onde se concentrou o grupo pró-Macri, o clima lembrava mais o de um domingo de vitória do Boca Juniors ou River Plate. Pessoas eufóricas dançavam e, não raro, choravam. Uma senhora mirava o telão com os resultados e, incrédula, repetidamente perguntava, em prantos, ao marido: “é verdade, não é? Ele ganhou? Eles vão embora mesmo? ”. Os coros entoados eram sugestivos. Além do típico “se siente, se siente, Maurício presidente”, era possível ouvir “se vá a acabar, se vá a acabar, la dictadura K se vá acabar”. Quando perguntados sobre os motivos que os levaram a votar em Macri, as respostas traziam um vazio alarmante. “Porque quero liberdade, nesse país não há liberdade”; “quero que essa bruxa velha deixe a gente em paz”; “Os Kirchner transformaram esse país em ditadura, quero que isso mude”; “Maurício é um homem bom”; “Ele vai trabalhar em equipe”. Nenhuma palavra sobre propostas concretas.
Esse vazio das respostas reflete a escassez de definições de uma campanha marcada pela defesa de generalidades e ênfase mais em desejos que na forma de concretizá-los. O discurso de vitória de Macri foi sintomático: sem nenhuma consistência ou definição política, aludia a sonhos e agradecia a vitória e à mudança, enquanto dançava. No palco do bunker, uma eufórica Lilan Tintori celebrava o triunfo de Macri. Os interesses podem não estar ditos, mas estão muito bem estabelecidos.
Muito em breve, porém, será hora de explicitar o que fazer. O desafio da governabilidade será especialmente complexo para Macri, cujo grupo político não logrou eleger uma bancada capaz de sustentá-lo no Congresso. Terá, portanto, que pactuar com a oposição peronista, cuja fidelidade é mais ao poder que às ideias. Nesse sentido, Macri tende a beneficiar-se da pugna interna pelo controle do Partido Justicialista, que deverá consumir o peronismo pelos próximos meses. Quanto mais dure, melhor para o novo presidente, que vê maiores suas chances de cooptar dissidentes do peronismo. Enquanto isso, uma peça chave do tabuleiro político permanece sem definições explícitas de futuro. Cristina Kirchner mostra, apenas, que governará até o último minuto e alimenta os incautos que acham que ela, de fato, perdeu a eleição de domingo.
Matheus de Oliveira Pereira é mestrando em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisador do GEDES.