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A Rússia e o 13 de novembro

Os atentados à Paris despertaram o interesse internacional pela compreensão de uma complexa rede de variáveis e de atores envolvidos na crise que culminou com os atos de terrorismo vividos na última sexta-feira. Parte dessa intrincada dinâmica é a Rússia, que desde 30 de setembro deste ano vem bombardeando o território sírio. Nesse contexto, compreender as motivações geopolíticas do Kremlin é central para que se elucide o papel que o país vem exercendo no quadro de crise que se pintou com cores mais fortes na semana passada em Paris.


Desde 2000, quando Vladmir Putin assume o poder, a Rússia vem se fortalecendo internamente, o que lhe permite recuperar aos poucos seu poder relativo no sistema internacional, perdido bruscamente com o desmantelamento da União Soviética na década precedente. Nos últimos anos, essa preocupação em recobrar seu status de player global tem se intensificado e a anexação da Criméia em março de 2014 é episódio ilustrativo da estratégia moscovita, da qual a atuação na Síria é parte constituinte. Não obstante, neste último caso, há um elemento inovador: a Rússia está atuando fora de seu entorno estratégico, conhecido como Exterior Próximo, o qual engloba a zona de interesses vitais do país e é composto basicamente pelos países da Ásia central e parte do leste europeu que outrora conformaram a URSS.


Nesse contexto, o movimento extra-regional a que assistimos hoje é indicativo das pretensões russas e de sua Weltanschauung. A base naval de Tartus é a única no Mediterrâneo e estratégica por lhe permitir atuar além do Mar Negro, avançando, portanto, os limites de seu Exterior Próximo, em uma clara demonstração de poder. Evidentemente, o maior protagonismo russo tem colocado Washington em alerta, especialmente quando a divergência de interesses entre os dois países é profunda e engessa o processo de resolução de tensões como a da Síria, que até agora foi ilustrativa dessa polarização.


Para os EUA, a saída da crise síria passa pela derrubada de Bashar al-Assad e, para os russos, pela sua manutenção, ao menos por hora. Esse tem sido um ponto tão basilar da concepção das duas potências que impossibilitou a coordenação formal entre elas. O motivo é que, enquanto Assad é aliado de Moscou, os grupos de oposição não-Estado Islâmico estão sendo apoiados (inclusive com treinamento de recursos humanos e fornecimento de armamentos) pelos EUA e seus aliados. Isso explica a centralidade da permanência ou não do regime de Assad na visão de Moscou e Washington. Afinal, a opção por uma dessas duas saídas aliaria a futura Síria de um lado ou de outro, no contexto dessa oposição internacional russo-americana que tem se acirrado desde o início da crise ucraniana.


Mas não há bons e maus nessa história, e sim responsabilidades que devem ser assumidas. Enquanto os EUA são acusados de ter permitido que o EI crescesse e fizesse o “trabalho sujo” de lutar contra Assad, a Rússia é recriminada por atingir alvos de oposição ao regime que não são EI e, portanto, fortalecer Assad, dando-lhe uma sobrevida. Os atentados à Paris forçam as partes a se coordenarem. Não há mais tempo para divergências e a conversa tête-à-tête entre Obama e Putin no encontro do G20 é ilustrativa dessa mudança estratégica, que deve finalmente focar no combate ao EI.


Assim, o 13 de novembro pode servir como um elo entre as duas concepções estratégicas e em certa medida soar como uma vitória de Putin – que vinha insistindo em coordenar esforços com a aliança liderada por Washington – ao forçar os EUA a aceitarem a participação da Rússia, ainda que este país se oponha ao ponto central defendido pelos norte-americanos na Síria.


Bruna Bosi Moreira é mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.


Texto originalmente publicado no Portal da Universidade - UNESP, em 19 de novembro de 2015.

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