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Forças Armadas e narcotráfico na Argentina

Desde sua redemocratização, a Argentina é um país reconhecido pelas comunidades acadêmica e política por seus notáveis avanços na normatização da defesa sob marcos democráticos. O principal aspecto a esse respeito é a clara e unívoca separação entre defesa nacional e segurança interna, consagrada pela Lei de Defesa Nacional de 1988, o que, por conseguinte, significa uma delimitação precisa do espaço de atuação das forças de segurança – polícia, gendameria, prefeitura naval e aérea; e de defesa – Marinha, Exército e Força Aérea.


Ainda que a Argentina tenha um debate político sobre questões ligadas à defesa mais amplo que em outros países, como o Brasil, o tema costuma não fazer parte das agendas dos candidatos presidenciais. O pleito deste ano confirmou essa tendência. A exceção ficou por conta de Sérgio Massa, candidato pela coligação UNA, do peronismo dissidente do governo. Massa foi o único dos postulantes à Casa Rosada a afirmar explicitamente que envolveria o exército no combate ao narcotráfico – tema que é uma das principais preocupações dos eleitores argentinos pelos impactos que vem causando na segurança pública. Atualmente, os militares participam do combate ao tráfico de forma tangencial, fazendo patrulhas e operando radares, comunicando a gendameria quando há detecção de atividade suspeita.


A concretização da proposta de Massa implicaria a necessidade de revisão da Lei de Defesa Nacional, visto que esta deixa a atuação das forças armadas adstritas à resposta a ataques militares de outros Estados. Seria uma tarefa difícil, pela manutenção de uma maioria, ainda que frágil, governista, no Congresso, em geral refratária à ideia. Mas esta não é uma posição isolada. Desde o final dos anos 1990, há um conjunto de vozes, fardadas e civis, que defende uma flexibilização da Lei de Defesa Nacional sob o argumento de que esta não contempla a complexidade do mundo atual, no qual ameaças à segurança nacional não provêm exclusivamente de Estados nacionais. A experiência do Brasil no emprego de militares nas favelas cariocas é citada por estes grupos em abono ao seu argumento.


O emprego de militares no combate ao tráfico de drogas significaria um amplo retrocesso na trajetória de consolidação de condução democrática da defesa na Argentina por diversos motivos. Em primeiro lugar, o fracasso de experiências similares – como o México – mostra que combater o tráfico com forças armadas é uma empresa falida de antemão. Os militares não possuem adestramento, equipamentos nem doutrina compatíveis com a atividade, o que além de minguar as chances de êxito pode descaracterizar o instrumento militar naquilo que é, de fato, seu ofício, fragilizando a capacidade de defesa nacional. Por fim, envolver os militares em atividades internas é uma proposta de contornos especialmente problemáticos num país que tem um lamentável histórico de indevida atuação castrense na vida política nacional.


Matheus de Oliveira Pereira é mestrando em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisador do GEDES.

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