UNGASS 2016 e a expectativa de uma nova política sobre drogas
De 19 a 21 de abril de 2016 será realizada a terceira Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas (UGASS, na sigla em inglês) sobre o problema internacional das drogas. Outras duas reuniões da Assembleia Geral sobre o tema foram realizadas nos anos de 1990 e 1998, com o objetivo principal de discutir e revisar o funcionamento do sistema de controle de drogas da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em 1990 na primeira Sessão Especial o objetivo foi impulsionar a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, criada em 1988. O interesse dos países reunidos na ONU, durante esta Sessão, era proteger a humanidade do uso indevido de drogas, para isso entendiam a necessidade de criação de estruturas de controle. Na UNGASS seguinte, em 1998, sob forte influência das demandas dos governos dos Estados Unidos e Rússia foi assinado um acordo entre os Estados para acabar ou reduzir significativamente a demanda e oferta de drogas em dez anos.
Porém, a ineficácia das políticas repressivas e proibitivas sobre drogas, além de não acabar com a demanda e oferta destas substâncias ilícitas, geram o aumento das atividades criminosas e prejudicam as economias dos Estados. No relatório da Comissão Global de Política de Drogas (2014) constata-se o fracasso das medidas adotadas para redução do comércio e consumo das mesmas. De acordo com dados da UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), houve um aumento de 18% dos usuários de substâncias ilícitas entre 2008 e 2013. Além disso, o relatório aponta para os prejuízos que esta política repressiva causa para a saúde e segurança públicas, resultado dos conflitos entre agentes públicos e organizações criminosas e dos mecanismos de erradicação utilizados pelos Estados.
Os países da América Latina são uns dos mais afetados pela atual política de drogas. A percepção de que a origem do problema do tráfico está na oferta de drogas gera a adoção de mecanismos coercitivos nos Estados considerados produtores destas substâncias ilícitas, em que conflitos são travados dentro da própria sociedade a fim de combater as organizações criminosas e erradicar o consumo, por vezes gerando a criminalização do usuário. Visando reformular esta política proibitiva e repressiva vigente, os presidentes do México, da Colômbia e da Guatemala demandaram uma nova UNGASS para ser realizada antes da prevista para 2019. Assim, em setembro de 2012, diante de um contexto de contestação da política de drogas atual, estabeleceu-se a realização de uma nova Sessão Especial para abril de 2016.
Os preparativos para a UNGASS 2016 já estão ocorrendo. Criou-se um site a fim de facilitar a consulta e o diálogo entre as entidades das Nações Unidas, as organizações regionais e internacionais e as organizações não governamentais, como também, eventos especiais e resoluções vêm sendo realizados com o intuito de fazer recomendações para a Sessão Especial.
Os países latino-americanos também se preparam para apresentar propostas que visam uma reformulação da política de drogas. O governo do Uruguai, através do presidente da Junta Nacional de Drogas, Juan Andrés Roballo, tem a intenção de criar um bloco regional que apresente uma posição comum contra atual política proibicionista sobre drogas vigentes nas Nações Unidas, propondo uma reforma com enfoque na regulação do mercado e na saúde pública.
Atualmente, embora existam iniciativas locais de reformulação da política de drogas, como a do próprio Uruguai, que em 2013 aprovou a legalização da produção, distribuição e venda de maconha no país, sob o controle do Estado, e a de alguns estados norte-americanos que legalizaram a posse desta substância, além da existência de políticas alternativas preocupadas mais com a questão de saúde pública em alguns países da Europa, como Portugal, a possibilidade de que o resultado da UNGASS 2016 vá nesse sentido é ínfima.
A posição das Nações Unidas, baseada nas Convenções que versam sobre o problema das drogas e o tráfico ilícitos de entorpecentes (Convenções de 1961, 1971 e 1988), é de condenação à produção e comércio de qualquer substância ilícita, uma vez não comprovada sua finalidade médica. Aqueles países que apresentam posições contrárias às estabelecidas nestas convenções, como o caso da Bolívia e do Uruguai, são, inclusive, considerados violadores das mesmas. Há, também, uma grande influência dos países contrários a qualquer reformulação na política de drogas global, com destaque às posições dos governos da China e Rússia - cabe assinalar que o atual Diretor Executivo da UNODC é um representante russo, Yury Fedotov.
Portanto, o horizonte de mudança da atual política sobre drogas ainda é nebuloso. A UNGASS 2016, embora tenha partido de uma demanda de países latino-americanos, que buscam a desvinculação da lógica de segurança, tem poucas chances de representar um marco na reforma da condução da política de drogas global, muitos obstáculos burocráticos e, principalmente, políticos ainda devem ser superados.
Helena Salim de Castro é mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do GEDES.