Colômbia e Venezuela: uma relação instável na América do Sul
Durante a última década, um período em que os países sul-americanos demonstraram buscar alternativas para o aprofundamento da integração regional com a ampliação dos foros multilaterais, a Colômbia aparece como um foco corrente de turbulência nas relações com seus vizinhos, sendo fonte de controvérsias locais cuja resolução envolve a participação de outras nações sul-americanas.
Entre os países com os quais os colombianos possuem seguidas divergências, um dos destaques pode ser dado às relações com a Venezuela. Nos últimos anos ao menos em três momentos as tensões entre seus líderes se exacerbaram a ponto de gerar consequências para as relações formais entre os países.
Em 2009, a instalação de forças militares dos EUA em bases no território colombiano gerou inquietações entre os demais países sul-americanos. A reação mais incisiva se deu por parte do então líder venezuelano, Hugo Chávez, por defender se esse movimento parte da estratégia da potência norte-americana de busca por dominação da região. A postura do então presidente colombiano, Álvaro Uribe, de não cogitar a possibilidade de modificações no acordo assinado com os EUA e de não o apresentar aos demais países sul-americanos fez com que a Venezuela optasse pelo congelamento das relações diplomáticas com o vizinho.
Essa postura se manteve até meados de 2010, quando, frente à percepção de intenções venezuelanas de restabelecer a normalidade das relações, a Colômbia decidiu denunciar na Organização dos Estados Americanos (OEA) uma possível conivência do país vizinho com os grupos armados ilegais que desestabilizam o cotidiano da Colômbia. Segundo o país, a Venezuela abrigaria em seu território acampamentos e líderes das principais guerrilhas colombianas que desafiam o governo desde a segunda metade do século passado, a saber, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Exército do Povo (FARC-EP) e do Exército de Libertação Nacional (ELN).
Apesar das negativas por parte da Venezuela, o prosseguimento às denúncias por parte do presidente colombiano fez com que a primeira decidisse pelo rompimento das relações diplomáticas, políticas e comerciais, além do fechamento das fronteiras entre os dois países. Essa crise foi solucionada ainda em 2010, quando as intermediações por países sul-americanos conseguiram que o novo presidente eleito na Colômbia, Juan Manuel Santos, quem assumiu suas funções sucedendo Álvaro Uribe, aceitasse negociar com o mandatário venezuelano.
As negociações culminaram no restabelecimento das relações diplomáticas, políticas e comerciais e na abertura das fronteiras, bem como na decisão, por parte de ambos países, de que se comprometeriam a trabalhar em prol de evitar o trânsito de grupos armados ilegais e a estabelecer conversas bilaterais sobre as questões de segurança envolvendo as duas nações.
A partir de então relações entre os países se mantiveram relativamente livres de turbulências até o fim do mandato do presidente Hugo Chávez. Entretanto a posse de seu sucessor, Nicolás Maduro, trouxe novamente certas tensões entre as nações.
Logo depois de assumir a presidência, Maduro passou a afirmar que o ex-presidente colombiano, Álvaro Uribe, faria parte de um complô que almejaria sua morte. A Colômbia reagiu diplomaticamente às denúncias, consideradas infundadas, contra seu ex-mandatário. Ademais, o contexto econômico interno da Venezuela de subsídio à venda nacional de diversos tipos de produtos gerou um aumento das práticas de contrabando de mercadorias para venda em território colombiano a fim de aumentar os lucros.
Essa situação levou a um aumento das tensões entre os países, uma vez que a Venezuela passou a agir unilateralmente sobre o assunto. Em 2014, pela primeira vez em seu mandato, Maduro ordenou o fechamento noturno das fronteiras entre os países visando a diminuição do fluxo de produtos contrabandeados. Segundo as autoridades colombianas uma decisão dessa natureza já havia sido discutida nas conversas bilaterais estabelecidas entre os países, mas nada havia sido acordado nesse sentido, pois a Colômbia não acreditava na efetividade de tais medidas, ao contrário, defendia que iam apenas prejudicar as relações entre ambos.
Apesar da reabertura das fronteiras ainda no final de 2014, os choques entre os cidadãos e entre os líderes dos dois países não cessou. Entre as tensões que levaram ao atual fechamento das fronteiras entre os dois países há a acusação por parte do presidente venezuelano de que o país vizinho exporta a pobreza e práticas ilegais, como o narcotráfico, para o seu território. O enfrentamento entre soldados das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) venezuelanas e supostos contrabandistas colombianos que teria ferido três soldados e um civil em agosto de 2015 fez com que o presidente Maduro decidisse unilateralmente pelo fechamento, primeiro por 72 horas e logo indefinido, de parte das fronteiras entre os países.
A decisão da Venezuela levou à determinação de um “estado de exceção” próprio entre boa parte das cidades fronteiriças, proibindo o trânsito entre os dois países, permitindo às autoridades fazer interceptações telefônicas sem a autorização da Justiça e proibindo os moradores de portar armas e impedir que militares vasculhem suas casas. Além disso, determinou a deportação de milhares dos colombianos que vivem nessas cidades venezuelanas, além dos que retornaram por vontade própria devido à retaliação que passaram.
O líder colombiano defendeu que as ações estavam sendo unilaterais por parte da Venezuela e que os problemas de insegurança, contrabando e violência nas fronteiras não era de responsabilidade apenas de seu país. Já o mandatário venezuelano, logo em sequência ao fechamento pediu um encontro entre os chanceleres dos dois países para resolver o que considerava sérias questões entre as fronteiras, o qual ocorreu ainda em agosto com a presença de outras autoridades dos países e versou sobre soluções para as práticas de violência e contrabando nas suas fronteiras.
Entretanto, o encontro não teve o resultado esperado. O presidente Maduro afirmou que a situação não seria revertida a menos que obtivesse garantias mínimas de sua contraparte, enquanto o presidente Santos demandava respeito aos seus compatriotas por parte do país vizinho. Ambos os presidentes determinaram, ainda, o retorno dos respectivos embaixadores para consultas.
A deportação em massa de cidadãos colombianas e o êxodo dos que retornaram por decisão própria ao temer a expulsão ou a ação dos militares venezuelanos gerou crises humanitárias entre as cidades colombianas para as quais essa população se deslocou e que não estavam preparadas para atender suas demandas. Os cidadãos que chegavam não possuíam locais onde se estabelecer ou condições mínimas para sobreviver, demandando que o governo local destinasse recursos suficientes para amenizar a situação. Mesmo voluntários da Cruz Vermelha se deslocaram até as cidades de fronteira colombianas com o intuito de auxiliar os recém-chegados.
No começo de setembro de 2015 as chanceleres colombiana e venezuelana reuniram-se novamente, dada a não solução dos impasses e o prolongamento da crise entre os dois países, em uma reunião preparatória para um encontro subsequente entre os dois presidentes, momento em que foi buscada alternativas para a solução dos problemas ressaltados nessa fronteira sul-americana.
Tanto o segundo encontro entre as chanceleres quanto o encontro presidencial, que ocorreu ainda no fim de setembro de 2015, foram realizados com a presença dos presidentes do Uruguai, Tabaré Vazquez, enquanto Presidente Pró-Tempore da UNASUL, e do Equador, Rafael Correa, enquanto Presidente Pró-Tempore da CELAC.
Ao final da reunião os presidentes, em um diálogo considerado construtivo por todas as partes, decidiram normalizar progressivamente as relações diplomáticas entre os países, investigar as denúncias levantadas por ambos e o retorno imediato de seus respectivos embaixadores aos seus postos. Ademais, no começo de outubros os ministros da defesa dos dois países reuniram-se em Santa Marta, na Colômbia, e acordaram que ambos países aumentarão a vigilância de suas forças armadas nos pontos de passagem informais das fronteiras para combater ao contrabando, além de definirem a criação do Centro Binacional de Luta Contra o Crime Organizado Transnacional (CEBCOT), assim como novos canais de comunicação entre as autoridades dos dois países, como parte dos esforços das duas nações na busca de normalizar suas relações.
Analistas internacionais condenaram o uso político-eleitoral que estava sendo feito da situação por políticos de ambas as partes, uma vez que a Venezuela terá eleições majoritárias ainda esse ano e a Colômbia terá eleições locais em 2016.
Apesar das controvérsias que se estabeleceram entre os atuais presidentes da Colômbia, Juan Manuel Santos, e da Venezuela, Nicolás Maduro, as duas nações mantém os esforços por suas soluções no menor tempo possível e minimizando suas consequências também pelo fato de ser a Venezuela parte importante, enquanto facilitadora, do atual processo de negociação entre o governo colombiano e sua mais antiga guerrilha, as FARC-EP. Processo esse que teve início em 2012, quando o presidente venezuelano ainda era Hugo Chávez, e que teve, desde o início de seu mandato, total apoio do atual mandatário do país vizinho, tanto em momentos de crises do próprio processo quanto em situações de tensão entre os líderes dos dois países.